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22.09.11 às 16:54

Mobilidade sustentável começa na calçada

Políticas públicas devem prover passagens confortáveis e seguras, garantir respeito a faixas dos pedestres e semáforo, defendem especialistas
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“Pode parecer banal falar de calçadas, de faixas de pedestres na discussão sobre soluções para mobilidade urbana, mas é inviável pensar até mesmo em um sistema de transporte público que não considere condições mínimas para o deslocamento a pé.” Esse diagnóstico é do secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (SRHU/MMA), Nabil Bonduki, urbanista e professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. “O espaço público não é seguro para pedestres. O risco de machucar o tornozelo no buraco da calçada ou até mesmo de ser atropelado ao atravessar a rua, desestimulam as pessoas a andar a pé. E para andar de transporte público, precisamos, antes, andar a pé”, reforça.

Mesmo assim, desde a chegada da indústria automobilística ao Brasil, o pedestre vem perdendo a disputa da ocupação e circulação urbanas, se expondo, inclusive, ao risco de morte: dados do levantamento mais recente do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) indicam que, em 2008, 5.429 pedestres perderam a vida em acidentes de trânsito no Brasil. Só na cidade de São Paulo, quatro pessoas morem diariamente em acidentes de trânsito, em média, e metade são pedestres atropelados atravessando a rua ou até mesmo na calçada, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).

“Aqui em Belo Horizonte (MG) as calçadas são bem ruins… Depois que comecei a andar com minha irmã na cadeira de rodas, eu percebi que a coisa é bem mais precária do que eu imaginava. Há muitos locais (movimentados) em que temos de passar com a cadeira de rodas pela rua, porque as calçadas são totalmente inacessíveis”, diz Adriana Sanches Carvalho, no facebook do Akatu.

“Em São Paulo (SP), apesar da campanha para ensinar os motoristas a respeitar a faixa do pedestre, eles arrancam quando acende o vermelho, mesmo quando alguém está terminando a travessia. Moro na avenida Santo Amaro e já vi muitos atropelamentos devido a essa intolerância com o pedestre”, revela Ana Paula Fonseca, por e-mail.

“O município de Januária (MG) tem 65 mil habitantes. A cidade não tem nem uma faixa de pedestres em qualquer de seus cruzamentos. Não é exagero não. Repito: nem uma faixa de pedestre. Além disso, lixeiras são instaladas sobre os passeios públicos, obrigando pedestres a desviar pela rua. Não há, em toda a cidade, um rebaixamento para permitir o acesso dos cadeirantes”, afirma Fábio Oliva, por e-mail.

Para o secretário do MMA, a solução está em políticas públicas que privilegiem o pedestre. “O cidadão deve pressionar os governantes para que sejam criadas políticas públicas que garantam uma mobilidade prática, confortável e acima de tudo segura para todos. Aí sim, cada um poderá escolher que meio usar para se locomover”, diz o professor.

Prova da insegurança do pedestre no trânsito pode ser comprovada em uma pesquisa realizada em São Paulo em 2008, por Horácio Figueira, engenheiro de trânsito e vice-presidente da Associação Brasileira de Pedestres (Abraspe). Ele descobriu que, se a lei de trânsito fosse cumprida rigorosamente na cidade, em média, um motorista paulistano levaria pouco menos de oito minutos para acumular 20 pontos e perder sua carteira de motorista. Ou seja, na média, cada condutor da cidade leva dois minutos para cometer uma infração que deveria ser multada (avançar no sinal vermelho, buzinar para pedestre que atravessa na faixa, conversões proibidas ou feitas com excesso de velocidade e outras manobras perigosas).

Para chegar a estes dados, o engenheiro saiu pelas ruas de carro, com um assistente sentado ao seu lado armado com um bloquinho de anotações. Aleatoriamente, era escolhido um carro no trânsito e seguido de perto, observando seu comportamento. O assistente ia anotando cada infração de trânsito que o motorista cometia. Ao todo, 628 carros foram pesquisados.

Em 2008, a frota de São Paulo chegava a 6 milhões de veículos, em abril deste ano já passou dos 7 milhões.

“O pedestre transformado em motorista muda de personalidade. Dentro do carro, ele não consegue se enxergar como pedestre”, diz Figueira, que a partir da amostra de sua pesquisa calculou quantas infrações são cometidas na cidade, e depois comparou com o número de multas aplicadas. Resultado: segundo sua estimativa, apenas uma em cada 17 mil infrações de trânsito é punida em São Paulo. “O motorista em São Paulo tem certeza absoluta de sua impunidade”, diz o pesquisador.

Em artigo publicado recentemente na “Folha de S. Paulo”, o economista Eduardo Fagnani, professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp, reforça a necessidade de políticas públicas para o transporte público de qualidade como a solução para uma mobilidade sustentável. “Usar automóvel não é ato de vontade, mas falta de opção”, diz. “Ao lado da esgotada opção pelo ônibus (na forma de corredores), emergem “soluções” elitistas (bicicletas) e utópicas (restrição ao uso do automóvel, pedágio, carona, rodízio etc.). Bicicleta é bom para quem mora em Higienópolis (centro) e trabalha no Pacaembu (zona oeste). Não serve para a minha empregada, que mora no Capão Redondo (zona sul) e trabalha no Butantã (zona oeste).”

Para o diretor-presidente do Akatu, Helio Mattar, ciclovias não são medidas elitistas, porque podem e “devem” servir a bairros de diferentes classes sociais, não só os ricos. Portanto, são sim uma alternativa em qualquer cidade, mas o deslocamento em grandes distâncias, este sim é um obstáculo. “Não há solução sem uma campanha forte de consumo consciente, que levará as pessoas a fazerem melhores escolhas de transporte ou a quererem fazer e, por conta disso, pressionar o poder público para que essas escolhas existam”, diz Mattar.

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