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27.11.12 às 15:19

Uma janela para o futuro

“É preciso acelerar a conscientização do consumidor quanto à importância de mudar comportamentos, promovendo o bem-estar com um uso inferior de recursos naturais”
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O consumidor deve se preocupar com os impactos de seu consumo? O consumo individual tem um impacto significativo a ponto de justificar que alguém mude a sua forma de consumir? A resposta, definitivamente, é sim. Basta ver o potencial de contribuição de uma única pessoa em um recurso natural tão precioso como a água: ao fechar a torneira para escovar os dentes três vezes ao dia, um único indivíduo pode economizar, ao longo de 70 anos de sua vida, uma quantidade de água equivalente a três quartos de uma piscina olímpica cheia de água. E esse é o menor gesto de consumo de água; imagine o que acontece ao considerar todos os demais!!!

Tomando o caso brasileiro, o fato é que a expectativa de vida cresceu de 50 para 73 anos em pouco mais de 60 anos. E, se o consumo dos brasileiros se comportou como a média mundial, hoje o consumo por pessoa é três vezes maior do que era há 60 anos. E segue crescendo. Desde 2008, o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos, e, ainda assim, desperdiçamos um terço dos alimentos que produzimos. Em julho passado, superamos a Alemanha em vendas de carros e chegamos ao quarto lugar no ranking – atrás apenas de China, Estados Unidos e Japão. Segundo a ONU, o país também é o maior gerador de lixo eletrônico per capita entre os chamados emergentes.

Discutimos a construção de mais usinas termelétricas com queima de combustíveis fósseis para suprir o consumo crescente de energia, quando existe um grande potencial de economia tanto no plano industrial como doméstico. Basta ver que produzimos 259 mil toneladas de lixo diariamente, o que dá 1,4 kg de lixo por dia por brasileiro; dessa montanha, não reciclamos nem 20% dos resíduos, o que, se feito em maior escala, poderia levar a uma grande redução no consumo de energia elétrica no processamento de recursos naturais virgens. Pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que os 10% da população mais rica do país  concentram 75% do total da riqueza. Em setembro passado, novos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que quase 3,7 milhões de crianças ainda trabalham no país e 1,3 milhão de crianças de 4 a 5 anos estão fora das creches por falta de vagas.

Enfrentamos, portanto, enormes desafios sociais, ambientais e econômicos, e não apenas no Brasil, mas em todo planeta. Além da necessidade de enfrentar a crise econômica iniciada em 2008 nos EUA – e que se aprofunda com intensidade agora na Europa – , os sinais de insustentabilidade na sociedade em que vivemos são evidentes. Ao mesmo tempo, são oportunidades para que se possa encontrar alternativas viáveis e mais sustentáveis para os nossos modelos de produção e de consumo.

Hoje aproximadamente 70% da população mundial consome só o mínimo do que precisa ou abaixo disso, enquanto que apenas 16% da humanidade é responsável por 78% do total do consumo mundial.

Além dessa desigualdade, a humanidade já está consumindo 50% mais recursos renováveis do que a Terra consegue repor ou absorver. Isso significa que foi ultrapassada a capacidade do planeta de purificar o ar, produzir água potável, recuperar áreas agricultáveis e absorver todo tipo de resíduo gerado no consumo.

Não me refiro, portanto, a riscos futuros. Estas são ameaças que estão presentes hoje na vida de toda a humanidade. A situação social e ambiental é extremamente vulnerável com impactos negativos para todos.

E mais: se a população mundial consumisse como a dos países mais ricos, seriam necessários mais de cinco planetas para suprir a necessidade de recursos naturais para todo esse consumo. Totalmente insustentável!!!

Seria de extremo otimismo esperar que a solução para essa concentração de consumo e esse desperdício de recursos naturais fosse conduzida por um único agente social, sejam as organizações multilaterais, os governos nacionais, as corporações ou a sociedade civil.

Penso que, isoladamente, nenhum desses atores conseguirá operar mudanças na velocidade e escala necessárias para evitar uma catástrofe ambiental irreversível e uma violenta convulsão social, que poderão romper seriamente uma relação já desequilibrada e vulnerável entre regiões e países do globo.

Mudanças nas políticas governamentais tendem a ser lentas demais devido às dificuldades de negociação diante dos interesses de curto prazo especialmente das forças econômicas mais poderosas da sociedade, muitas vezes incapazes de perceberem que os ganhos de curto prazo colocam um risco insuperável à própria sociedade no longo prazo. Não faço esta crítica de forma gratuita, mas como constatação de fatos que devem ser enfrentados se quisermos caminhar na direção de uma sociedade economicamente próspera, ambientalmente equilibrada e socialmente mais justa.

Mudanças no modelo de produção, ainda que incluam um extraordinário esforço voltado ao desenvolvimento de novas tecnologias de forma a reduzir significativamente o impacto negativo sobre o meio ambiente, ainda estariam longe de propiciar o gigantesco ganho de produtividade que seria necessário, no uso dos recursos naturais, para que o atual modelo de consumo prevalente nas populações mais ricas pudesse ser disseminado pelos 84% da população mundial hoje responsável por apenas 22% do total do consumo. Para que não houvesse aumento da pegada ecológica, a mudança tecnológica teria que ser capaz de um aumento de quase cinco vezes na produtividade do uso de recursos naturais. Isto é, seria necessário que as novas tecnologias fossem capazes de usar cinco vezes menos recursos naturais para prover as populações de países desenvolvidos e subdesenvolvidos com o mesmo bem estar atual das populações mais ricas do planeta. Com certeza a humanidade poderá chegar a esses patamares de inovação, mas não em um prazo compatível com a sustentabilidade da vida no planeta.

Por isso, é preciso acelerar a conscientização do consumidor quanto aos impactos do consumo e à importância de que mobilize as mudanças no comportamento de consumo que permitam prover o bem-estar desejado com um uso muito inferior de recursos naturais. Assim como é preciso que as empresas encontrem formas de atender ao bem-estar do consumidor com um uso de recursos naturais que seja apenas uma pequena fração do que hoje é usado.

A mais recente pesquisa realizada conjuntamente pelos institutos Akatu e Ethos, “O Consumidor Brasileiro e a Sustentabilidade”, lançada em 2010, revelou, no entanto, uma boa notícia: em um momento de forte crescimento do consumo no Brasil, quando se poderia esperar que “se deixaria a consciência de lado na hora de consumir”, o segmento de consumidores mais conscientes manteve-se estável em relação ao que foi encontrado na pesquisa de 2006. E, entre os consumidores que fazem parte de um grupo com maior consciência no consumo, mais aguerrido, especialmente na internet, 1 em cada 3 busca informações sobre o que as empresas estão fazendo em termos de Responsabilidade Social e Ambiental, e é ativo no processo de influenciar outros consumidores.

O desafio do Instituto Akatu é “traduzir” os conceitos de consumo consciente, de responsabilidade social, e de sustentabilidade em ações concretas do consumidor que, se realizadas cotidianamente, trarão impactos positivos para a sociedade.

Por outro lado, as práticas mais conscientes não podem formar um conjunto de imposições que deixem um gosto ruim de restrição ao consumo, o que desmobilizaria os consumidores. Ao contrário, devem ser uma boa alternativa ao consumismo vazio, angustiante e insustentável, uma alternativa que atenda, de fato, ao bem-estar desejado pelos consumidores e que seja uma possibilidade de contribuir para uma sociedade melhor para nós mesmos, nossos filhos e nossos netos.

Nesse sentido, nesses quase 12 anos de trabalho do Akatu, aprendemos que a solução para a sustentabilidade exigirá a participação de diversos agentes sociais e a mobilização consciente dos setores produtivos e dos consumidores, em parceria com o poder público, em busca de qualidade de vida. E a reflexão do Akatu levou à elaboração do documento Dez Novos Caminhos para a Produção Responsável e o Consumo Consciente, apresentado na Rio+20.

E o Akatu convida cidadãos, setor produtivo e governos à mobilização em torno desse Decálogo como forma de construir uma sociedade mais sustentável e que possa atender ao bem-estar de toda a humanidade. Esta construção parte de um novo modelo de consumo visando uma sociedade humana com maior equidade e justiça, que inspire oportunidades de negócios social e ambientalmente mais sustentáveis, buscando a maior eficiência possível no uso dos recursos naturais, e uma rentabilidade justa no uso do capital.

Ao consumir valorize:

1.    Os produtos duráveis mais do que os descartáveis ou de obsolescência acelerada
2.    A produção e o desenvolvimento local mais do que a produção global
3.    O uso compartilhado de produtos mais do que a posse e o uso individual
4.    A produção, os produtos e os serviços social e ambientalmente mais sustentáveis
5.    As opções virtuais mais do que as opções materiais
6.    O não desperdício dos alimentos e produtos, promovendo o seu aproveitamento integral e o prolongamento da sua vida útil
7.    A satisfação pelo uso dos produtos e não pela compra em excesso
8.    Os produtos e as escolhas mais saudáveis
9.    As emoções, as ideias e as experiências mais do que os produtos materiais
10.    A cooperação mais do que a competição

Helio Mattar, Ph.D em engenharia industrial, é diretor-presidente do Instituto Akatu.

Artigo originalmente publicado em 24/11/2012, no caderno Pensar e Agir do jornal Correio Braziliense.

 

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