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05.07.13 às 14:53

Um novo paradigma do marketing: a oferta consciente

A questão da obesidade ganhou relevância por passar a afetar parte significativa da população. Qual o papel de quem oferece o produto neste contexto?
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Comentário Akatu: A transição para uma sociedade mais sustentável envolve mudanças estruturais no atual modelo de produção e consumo. De um lado, tais mudanças dependem de consumidores mais conscientes em suas escolhas e, de outro, de empresas dispostas e preparadas a inovar radicalmente tanto nos produtos e serviços disponibilizados quanto na forma como os oferecem, atendendo e respeitando a demanda desses consumidores, como aponta o artigo abaixo. No final de 2012, o Akatu lançou um material que busca colaborar com essa reflexão por meio da sugestão de dez caminhos que contribuem para alcançar esse novo modelo. Mais que um material de referência, esse decálogo da produção e consumo conscientes pretende inspirar a criação de negócios social e ambientalmente mais responsáveis, que tenham como objetivo alcançar o bem-estar desejado pelos consumidores com a maior eficiência possível no uso de recursos naturais.

Recentemente, a Coca-Cola lançou uma campanha nos Estados Unidos com o tema da obesidade, afirmando sua preocupação com a doença que cresce vertiginosamente no país. Como contribuição para atenuar este problema, a empresa apresenta as mudanças feitas nos últimos anos em seu portfólio de produtos para incluir bebidas de baixa caloria, naturais ou complementadas por nutrientes importantes. Podemos também nos lembrar do McDonald´s, que incluiu em seu cardápio produtos saudáveis, como saladas e frutas, e porções menores para o público infantil. Os céticos poderiam dizer que essa medida já vem tarde e que estas empresas não dão ponto sem nó. Sem dúvida, essas iniciativas no setor alimentício são conquistas da sociedade: devem-se a pressões de órgãos reguladores, organizações da sociedade civil, organizações médicas e de consumidores. Mas a atitude dessas empresas sinaliza uma mudança de paradigma. Há um movimento interessante e irreversível na forma como elas se dispuseram a abrir em suas estratégias canais de diálogo com as questões do nosso tempo. Ao assumirem o risco do debate, da crítica permanente, seus posicionamentos se alteram significativamente. Elas aceitaram assumir uma cota de responsabilidade pelo impacto de seus produtos na sociedade. Deixam em suas campanhas a clara intenção de que suas ações sejam mais positivas, tornando-se parceiras do consumidor e das organizações da sociedade no enfrentamento de questões sociais. Acima de tudo, a resposta é uma mudança na sua oferta.

Nos últimos anos, cerca de 40 milhões de consumidores, conforme dados do IBGE entraram para a classe média, com demandas legítimas de bem-estar. Neste cenário, os impactos sociais crescem na mesma proporção. A questão da obesidade, por exemplo, ganhou relevância por passar a afetar parte significativa da população. Qual o papel de quem oferece o produto neste contexto? Novamente, vemos que a resposta está na oferta.

Já há algum tempo e com grande mérito, vem-se discutindo na sociedade a produção e o consumo sustentáveis. Em geral, o foco da discussão sobre consumo concentra-se no âmbito exclusivo das escolhas individuais. Nesta lógica, pessoas podem, por exemplo, escolher se querem ou não se alimentar bem. Nos últimos anos, no Brasil, organizações governamentais e não governamentais (destaco aqui o trabalho do Instituto Akatu, em especial os 10 caminhos para a produção responsável e consumo consciente [decálogo da produção e consumo conscientes] promoveram grandes avanços na conscientização do consumidor, partindo do princípio de que consumidores conscientes podem fazer escolhas responsáveis e induzir empresas a mudar comportamento no que se refere à responsabilidade social e à sustentabilidade. O mérito desse trabalho foi ter criado uma consciência no Brasil sobre estes temas e colocado na agenda social a necessidade de revisão da ação empresarial.

Desse modo, fica para a empresa a responsabilidade sobre a produção. Ampliam-se as exigências legais e a fiscalização para que elas adotem práticas socialmente justas e ambientalmente corretas. Estimula-se, ainda que timidamente, a inovação em produtos e embalagens para que tenham menor impacto ambiental.

Mas falta um fator nesta equação: a própria oferta.

Em termos práticos, a oferta é o meio pelo qual as empresas chegam ao mercado e convidam o consumidor a experimentar certo produto ou serviço. Para que tenhamos uma oferta consciente, ela deve corresponder a um produto ou serviço acessível e desejável pelos consumidores. Para isso, precisa que sua produção, política de preços e distribuição sejam eficientes e bem dimensionadas. A oferta deve se organizar de uma forma adequada à demanda do consumidor, evitando excessos e desperdícios. Neste caso, valem os seguintes questionamentos: o produto veio na quantidade adequada ao seu tipo de consumo? Ele oferece alternativas de compartilhamento e reutilização? Está em embalagem que equaciona o impacto do descarte e a proteção necessária para ampliar sua durabilidade? Existem alternativas para que seus resíduos sejam coletados e descartados corretamente?

Também é fundamental refletirmos sobre como produtos e serviços são apresentados aos consumidores. A sedução é tão importante quanto a clareza e a verdade. Só assim o consumidor pode fazer uma escolha consciente. Por essa razão, é um bom caminho pensar como dispor o produto no ponto de venda, avaliar sua propaganda e se as informações contidas no rótulo, nas embalagens e na etiqueta levam em conta a transparência necessária para informar adequadamente os consumidores. E não podemos nos esquecer da forma como o atendimento ao cliente é realizado, sobretudo no comportamento de vendedores e atendentes.

Prosperar ignorando crises sociais e ambientais é um jogo bastante perigoso. Empresas podem extrair da sociedade suas riquezas, aproveitando-se dos recursos disponíveis, sejam eles humanos ou naturais. E os lucros estão garantidos no curto prazo. Mas essas crises fazem parte dos negócios e um dia as empresas serão cobradas por terem ignorado este cenário. Já no médio prazo e no longo, se não mudarem sua abordagem, tenderão a distanciar-se dos interesses e das demandas de seus consumidores. Na maioria das vezes, passarão a ser consideradas vilãs e responsabilizadas por efeitos das crises. Em vez do lucro fácil, o resultado será a perda de fidelidade dos clientes. Michael Porter, o destacado autor e professor da Universidade de Harvard, tem enfatizado o conceito de valor compartilhado. Na visão deste autor, as empresas devem buscar em suas estratégias de negócios a melhor forma de contribuir para a sociedade, tornando-se agentes indispensáveis para seu melhor funcionamento. E os desafios que se impõem para os gestores passam por saber discernir o que é valor para o conjunto da sociedade e o que não é. Para tanto, é necessário refinar a habilidade de interpretação das tendências sociais e não só as de mercado.

A realidade já nos mostra que é possível mudar e criar valor para a sociedade, considerando os desafios atuais. A Zazcar, por exemplo, oferece serviços de locação de veículos por hora de utilização em vários pontos de São Paulo. Ou seja, quando se precisa realmente do carro, ele está disponível, a um preço razoável, e não é necessário possuí-lo. O mesmo vale para as bicicletas oferecidas pelo Itaú e pela Porto Seguro. Estas empresas nada mais fizeram do que propor soluções para crises de mobilidade num grande centro urbano como São Paulo. Fazem seus negócios e compartilham valor com a sociedade. As soluções existem, basta pensar. E isso vale para qualquer setor. O simples questionamento já é um avanço. Quer ver? Será que queremos lavar roupas ou ter máquinas de lavar? Será que queremos ler livros ou empilhá-los em estantes e prateleiras? A oferta consciente está fundamentada nas necessidades reais dos consumidores e nos efeitos que produtos e serviços possam causar na sociedade e no meio ambiente.

O desafio é complexo e encoraja a capacidade criativa das empresas. Estimula a criação de produtos, canais de distribuição, mensagens publicitárias e a requalificações dos vendedores e atendentes. Exige razoável dose de inovação, ao redesenhar modelos de negócios que incorporem novas variáveis e garantam a sobrevivência da empresa. E o resultado é o desejo de todos nós: uma sociedade mais sustentável e equilibrada.

Eduardo Ramos-Schubert é sócio fundador da SAX, empresa de inovação em experiências de consumo, e Diretor Adjunto e membro do Conselho Consultivo do Instituto Akatu.

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