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29.12.10 às 5:23

Rumo à nova arquitetura geopolítica

A necessidade de ação para combater os efeitos do aquecimento global e a consequente mudança de paradigmas da sociedade, por Fábio Feldmann
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Artigo publicado em 15 de maio de 2007 no Portal Terra.

A mídia tem tratado insistentemente do tema do aquecimento global, divulgando com grande intensidade as conclusões da comunidade científica. O IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, criado em 1988, representa o ‘estado da arte’ no que tange ao tema das mudanças climáticas e por esta razão é a voz mais autorizada sobre a matéria, ainda que seus relatórios sejam submetidos ao escrutínio político dos governos, o que se por um lado pode atenuar as suas conclusões, por outro legitima as mesmas.

Durante os primeiros anos de discussão sobre o aquecimento global, o foco da controvérsia esteve em se determinar se a responsabilidade pelo mesmo era da Humanidade ou se o clima do planeta estaria sujeito a ciclos naturais de aquecimento e esfriamento, de modo que estaríamos diante de um fenômeno absolutamente natural. Nesse contexto se realizou a Conferência do Rio – Cúpula Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, resultando na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e em 1997 no Protocolo de Kyoto. O presidente Bush ao assumir a presidência dos EUA no ano 2000 retirou os EUA do Protocolo e solicitou à Academia Americana de Ciências americana que verificasse as opiniões do IPCC, no sentido de confirmar ou não a idéia de que o aquecimento global seria um fenômeno real e da responsabilidade das atividades humanas, fundamentalmente através da queima de combustível fóssil.

A Academia Americana de Ciências corroborou as conclusões do IPCC daquele momento, posto que este elabora relatórios a cada 5 anos. O último está em fase final de negociação, tendo sido divulgados três sumários executivos parciais nesses primeiros meses de 2007, e um quarto previsto para outubro, no Rio de Janeiro. O importante a ser enfatizado nesses relatórios é a conclusão de que o aquecimento global é um fenômeno em curso, com conseqüências dramáticas e o mais importante é  que as medidas a serem tomadas devem ser resultado de um ‘pacto’ da Humanidade em prol do mundo em que vivemos, ou seja, há que se criar condições de se manter o equilíbrio climático do planeta.

Este ‘pacto’ significa mudanças radicais no paradigma da sociedade contemporânea, a começar pela busca de alternativas aos combustíveis fósseis, sendo para tanto necessária uma nova arquitetura geopolítica, razão pela qual há tamanha resistência por parte dos republicanos nos EUA e de setores econômicos como da indústria de petróleo, bem como de seus países produtores. Entretanto, essa resistência está esmorecendo exatamente pela gravidade e riscos que o aquecimento global está trazendo, a exemplo da constatação do degelo do Ártico e de parte da Antártida, que não foram levados em conta pelo IPCC simplesmente porque há 5 anos atrás esse degelo não era perceptível e a própria comunidade científica subestimou o impacto do aquecimento no gelo milenar dessas regiões.

Do ponto de vista cientifico, é necessário se fazer um alerta sobre a ignorância da ciência acerca do clima no planeta, exatamente por se tratar de um sistema complexo e não linear, de modo que se torna difícil fazer previsões com alto grau de certeza. Quer dizer que a partir de agora a Humanidade terá que ser cada vez mais prudente na sua relação com a natureza, sob risco de pagar preços altíssimos pela sua irresponsabilidade. Voltando ao aquecimento global, podemos afirmar que as emissões de carbono na atmosfera que estão comprometendo o clima do planeta ocorreram fundamentalmente nos últimos 60 anos, ou seja, no período de industrialização ocorrido a partir da segunda guerra mundial.

Em um período de duas gerações se lançou tal volume de carbono na atmosfera que estamos prestes a viver períodos de grande instabilidade no clima com conseqüências em toda a economia e vida da sociedade. No último sábado esteve em São Paulo o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, cujo filme Uma Verdade Inconveniente mereceu um Oscar. Conheço Al Gore desde 1988 quando esteve no Brasil visitando a Amazônia, cujo desmatamento é o principal responsável pelo Brasil ser considerado um dos grandes emissores do planeta. A sua contribuição para o debate é incontestável, sendo que um dos eixos de sua campanha presidencial em 2000 era a participação dos EUA no Protocolo de Kyoto, o que é fundamental já que este país é o maior emissor de gases efeito estufa do planeta e sem o seu engajamento torna-se frágil qualquer compromisso. De lá para cá muitas iniciativas demonstram um isolamento da posição do presidente Bush, como por exemplo, iniciativas de vários estados americanos criando legislação sobre o assunto, entre eles a Califórnia de Arnold Schwarzenegger.

Entretanto, há que se assinalar que o filme no seu final, no que tange às medidas a serem tomadas de combate ao aquecimento global é tímido, valendo mencionar que é fundamental um fortalecimento das metas de Kyoto, inclusive devendo as mesmas cobrir países como Brasil, China e Índia, porque o esforço certamente é global, ainda que leve em consideração as diferenças entre os países. No caso da China e Índia, devido à magnitude de suas populações, há que se ter criatividade no sentido de se encontrar formas inteligentes de se promover a sustentabilidade e o desenvolvimento de modo simultâneo. No caso do Brasil, ainda que haja necessidade de se adotar os mesmos critérios aplicáveis aos indianos e chineses, há que se lembrar que é o desmatamento o grande vilão, sendo perfeitamente possível combatê-lo se houver vontade política e a noção clara de que o mesmo está associado ao que há de pior na nossa sociedade: impunidade que estimula a delinqüência socioambiental.

* Fabio Feldmanné consultor, advogado, administrador de empresas, secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade, fundador da Fundação SOS Mata Atlântica e membro do Conselho Consultivo do Instituto Akatu.

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