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12.01.11 às 4:58

Responsabilidade social, trabalho voluntário e comunidade

O voluntariado, se realmente disseminado, poderá construir uma teia de relações a partir de situações-problema localizadas
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Na atualidade, o trabalho voluntário tem sido valorizado em várias instâncias. Neste ínterim, a Organização das Nações Unidas (ONU) não declarou simplesmente o ano do voluntariado em 2001; atendeu a demandas sociais pela promoção da ação voluntária, que, no Brasil, se solidificam já há alguns anos em reportagens na mídia, em cursos de voluntariado, na promulgação da “Lei do Voluntariado” (Lei Federal 9608/98) e em atividades associadas à responsabilidade social de empresas.

No que concerne à responsabilidade social empresarial, embora tenha surgido recentemente como denominação, é possível afirmar que esta intensificou-se, no contexto brasileiro, a partir da década de 80, com estratégias como o Prêmio ECO, da Câmara de Comércio de São Paulo, e as atividades filantrópicas que premiara. E, no decorrer dos anos 90, o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), o Instituto Ethos, a Kanits Associados, dentre outros, procuraram representar e organizar o empresariado em torno de práticas de ação social em nível nacional.

Em Porto Alegre, empresas de porte nacional e entidades representativas fundaram, em 1997, a ONG-Parceiros Voluntários , com o intuito de disseminar a prática de trabalho voluntário. Tal iniciativa empresarial, unidade de pesquisa aqui, será tratada quanto ao seu potencial para a interação entre campo econômico e comunidades, a partir de entrevistas realizadas com voluntários e gestores da organização.

1. Responsabilidade social e trabalho voluntário
Sob a lógica de um agente do campo econômico (no Brasil), o que significaria integrar-se ao processo de globalização? A resposta seria: expor seus produtos a uma concorrência produtiva e comercial com países tecnologicamente mais avançados? Na atualidade e pelo observado até o momento, esta seria apenas parte da questão. O acirramento da concorrência tem conduzido o empresariado a estratégias que otimizem não somente seus processos produtivos, mas toda comunidade que o circunda. Ou seja, conforme a atual dinâmica do campo econômico, são promovidas as iniciativas que criarem, inclusive, condições de seu produto ser produzido e consumido. Daí as práticas de interação com escolas, hospitais, ou organizações sem fins lucrativos (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP -, legalmente falando), dinamizando as relações entre os campos econômico e social. Simultaneamente, a internacionalização das decisões políticas (campo onde agem as organizações não-governamentais), seguindo a concretização do Direito Internacional, tem oportunizado o desenvolvimento de iniciativas da sociedade civil com relativa autonomia (em relação ao Estado). Desde 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, até os dias atuais, tem se estabelecido critérios mundiais de defesa do Homem, elevando-o ao status de “cidadão do mundo”, em detrimento da subordinação à soberania nacional (GÓMES, 1997).

A idéia de responsabilidade social pressupõe que a atividade empresarial envolve compromissos com toda a cadeia produtiva da empresa: clientes, funcionários e fornecedores, além das comunidades, ambiente e sociedade como um todo, apoiada numa premissa de interdependência mútua. A expressão tem sido muito utilizada no Brasil, especialmente nos últimos dois anos (SCHOMMER, 1999).

Intervenções sociais concretas, as ações relacionadas à responsabilidade social trabalham, também, pela disseminação de um ideário, neste caso, de desenvolvimento do comprometimento dos indivíduos com as coisas ao seu redor, tomado numa perspectiva estratégica, de racionalidade empresarial e funcionalidade com mercado.

Ao estabelecer disputas por prêmios na área de gestão ou disponibilizar sites tratando formas de gerir OSCIPs, agentes do campo econômico instauram práticas que não só fornecem conhecimento aos gestores (destas organizações) como instigam-nos a utilizar estes saberes, numa estratégia de incremento à produtividade das entidades sem fins lucrativos e de ampliação do diálogo entre estes agentes do campo social, para a formação de redes de solidariedade (FONTES, 2000) ao mesmo tempo em que estrutura práticas concorrenciais (prêmios e concursos por competência ou resultados), muito comuns ao agentes do campo econômico.

Direcionando o foco para a ONG-Parceiros Voluntários, na busca por estratégias que intensifiquem a comunicação entre campo econômico e comunidades, é possível dizer que, embora esta organização por si já configure uma iniciativa de interação, possui algumas restrições: a parceria com organizações conveniadas (receptoras de voluntários) e voluntários não envolve o planejamento organizacional, limitando a participação e pluralidade nas tomadas de decisão que afetam pessoas de instâncias diversas (REIS, 1999). A consulta aos voluntários e organizações parceiras é ainda rarefeita e extremamente condicionada à satisfação ou não dos agentes envolvidos com as práticas instauradas pela Parceiros Voluntários: o espaço de diálogo é limitado, o que conformaria uma conversão de capitais com predominância de um fluxo do campo econômico para o social.

Não há uma preocupação explícita em otimizar/adaptar os conhecimentos já existentes, procura-se somente transferi-los, fragilizando a troca de saberes e a articulação de interesses pela participação dos agentes alocados como parceiros (OSCIPs ou voluntariado); prática essa insuficiente quando da busca por comprometimento se observado que “as organizações sem fins lucrativos eficazes também devem perguntar sempre: Nossos voluntários crescem? Eles adquirem uma visão maior da sua missão e também maior aptidão?” (DRUCKER, 1997, p. 111).

No entanto, por mais que se perca o controle sobre a gestão dos voluntários, pela curta duração de suas jornadas de trabalho ou pelo distanciamento do processo decisório, as iniciativas que a Parceiros Voluntários instaura trazem rupturas significativas às práticas do campo social. Por seu próprio exemplo de “ONG empresarial”, ou por suas intervenções através da oferta de cursos de gestão de voluntários e de recursos humanos voluntários qualificados, abrindo um leque considerável de relações entre agentes sociais entorno de iniciativas da sociedade civil, esta “agência de voluntários” amplia a conversão de capitais do campo econômico para o campo social, evidenciados nos saberes profissionais e práticas administrativas disponibilizadas e convertidas em assistência social nas OSCIPs.

Dessa forma, é possível afirmar: voluntariar não é doação, é troca. O campo econômico obtém capitais do campo social no que concerne, por exemplo, à instauração de comprometimento de funcionários com os objetivos da empresa (por militância social), em função da associação da organização onde trabalham à ação social. O campo social poderá ter nos “voluntários profissionais” difusão de seus saberes de forma regular, devido ao pragmatismo de que está imbuído o voluntariado promovido junto à responsabilidade social de empresas. E neste último elo se apresenta (pela tomada de posição da ONG-Parceiros Voluntários) o fluxo mais intenso de conversão de capitais: conhecimentos administrativos e profissionais diversos convertidos em práticas de assistência social, visando consolidar uma forma de interação com a realidade social muito específica (de agentes do campo econômico).

O trabalho voluntário tende a contribuir para a consolidação de parcerias entre organizações e indivíduos no atendimento de carências sociais, podendo conformar uma sociedade civil com maior capacidade de auto-organização frente ao controle estatal. No entanto, faz-se necessário, para a conquista de comunidades mais autônomas, da valorização do Outro, de acordo com seus saberes (através de participação criativa), permitindo sua identificação e, então, sua mobilização para com os objetivos coletivos (LÉVY, 1994), que para o contexto de voluntariado pode ter efeitos positivos no que diz respeito à adesão e permanência de voluntários.

2. Considerações finais: a comunidade
O trabalho voluntário, se realmente disseminado, poderá construir uma teia de relações a partir de situações-problema em comunidades, com potenciais repercussões para o desenvolvimento do princípio de subsidiariedade. Visualiza-se a formação de redes nos mais variados âmbitos, com nós que podem ser os voluntários na comunidade, as OSCIPs em parcerias com o Estado, as empresas em práticas de responsabilidade social, enfim, agentes sociais circulando seus capitais por entre os campos em torno de práticas de assistência social.

A conversão de capitais em torno do trabalho voluntário contribui para a formação de novos elos de integração social no âmbito da sociedade civil. Estando os contratos sociais estabelecidos no entorno do emprego (formal) em fragilização, em função da própria dinâmica de produção do sistema capitalista (vide taxas de desemprego estrutural), a sociedade daria indícios, então, de reorganização e construção de novas formas de relações e parcerias sociais.

Leandro R. Pinheiro é estudante de pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

BIBLIOGRAFIA

DIAWARA, Mamadou. Globalization, development politics e and local knowledge, International Sociology – Journal of the International Sociological Association (ISA)/SAGE Publications, Londres, v. 15, n. 02, jun/2000, p. 361-371.

DRUCKER, Peter. Pessoas e relacionamentos: sua equipe, seu conselho, seus voluntários, sua comunidade. In: Administração de organizações sem fins lucrativos. São Paulo: Pioneira, 1997, p. 107-136.

FONTES, Breno A. Souto-Maior. Capital social e terceiro setor: sobre a estruturação das redes sociais em associações voluntárias. Anais do II Seminário de Gestão Organizacional do Terceiro Setor – Unisinos, São leopoldo/2000.

GÓMES, José M. Globalização da política: mitos, realidades e dilemas. IRI-Textos/PUCRJ, Rio de Janeiro, nº 19, jul/1997, 45p.

LÉVY, Pierre. Inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1994.

REIS, Liliane G. da Costa. Planejamento estratégico. Revista do Terceiro Setor, www.rits.org.br/gestão/ge_rhtxt2.html, 08/03/1999.

SCHOMMER, Paula C. Empresas e sociedade: cooperação organizacional num espaço público comum. Anais do Encontro Nacional da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Administração (ENANPAD), 1999.

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