loader image
05.04.11 às 10:30

Qual o papel do consumidor em tempos de imediatismo?

Especialistas explicam o consumismo como resposta a problemas culturais da sociedade contemporânea e defendem uma postura crítica do consumidor
compartilhe
FacebookTwitterLinkedInWhatsAppEmailCopy Link

 

O consumo excessivo que observamos hoje é resultado do individualismo, da competitividade, solidão, do “narcisismo cultural” entre outros problemas sociais próprios da sociedade globalizada contemporânea. Por isso, o consumidor precisa estar ciente do seu papel nessa dinâmica de vida caracterizada pela “urgência de consumo” e fazer do seu consumo um “ato de democracia” em busca de um mundo mais sustentável.

Foi o que defenderam, na quinta-feira (31/03), Ercy Soar, médico psiquiatra e psicoterapeuta; Jurandir Macedo, doutor em finanças comportamentais; Ricardo Morishita, professor de direito do consumidor e a escritora Laura Bacelar. Eles participaram, em São Paulo, da série de debates Diálogos Itaú de Sustentabilidade, evento promovido pelo Banco Itaú, apoiador pioneiro do Instituto Akatu.

“Consumidor, você está ciente do seu papel?” foi o tema desta edição que buscou estimular o diálogo e o senso crítico do consumidor, diante de uma sociedade cada vez mais voltada para o imediatismo e a urgência consumista.

Você tem fome de que?
Em sua apresentação, Ercy Soar abordou as diferenças entre as formas pelas quais os indivíduos buscavam o reconhecimento nas sociedades tradicionais e as adotadas nas sociedades globalizadas contemporâneas. Hoje, segundo ele, “há uma relação direta entre o que chama de ‘narcisismo cultural’ e o consumo”.

Segundo o especialista, diferentemente do que víamos no passado – quando a inserção social do indivíduo ou de uma família em determinado grupo se dava a partir de um reconhecimento baseado em valores morais e éticos – atualmente, no mundo globalizado, onde nem sequer conhecemos nossos familiares e vizinhos, esses valores não servem mais e buscamos outras formas de construir a identidade.

“Vivemos em uma sociedade onde, acima de tudo, se valoriza a competitividade. Somos individualistas, egocêntricos e imediatistas. O consumismo, ou seja, a fome insaciável de bens e serviços é dedicado à obtenção de um ideal de sucesso pessoal. Fato é que nunca saciamos essa fome, porque o que sentimos, na verdade, é falta de afeto”, diz. “Hoje, temos fome de afeto”.

Supérfluo fundamental
É muito comum ouvir que eliminar o consumo de produtos e serviços supérfluos é uma das formas de consumir de forma consciente. “No entanto, quem define o que é e o que pode ser ‘supérfluo’ ou ‘fundamental’ na vida de cada um”, questionou Jurandir Macedo, que defendeu a o consumo de “supérfluos fundamentais”.

Para o especialista, o que é supérfluo para um, pode ser fundamental para o outro. “Aquela história de deixar de tomar seu cafezinho do meio da tarde, tido como desejo supérfluo, para economizar tantos reais em tantos anos, pode significar que determinada pessoa, que adora um cafezinho, pode estar abdicando do melhor momento do seu dia”, critica.

Economizar, “de forma alguma é evitar o supérfluo. Economizar é eliminar desperdícios. Comprar um aparelho de TV de última geração, por exemplo, é um gasto fundamental para o lazer de quem gosta muito de televisão. Já para as pessoas que não têm esse hábito, o consumo da TV é um desperdício”, explica.

“Todos nós temos nossos ‘supérfluos fundamentais’, o que não podemos é desperdiçar tempo e dinheiro com algo que não nos trás satisfação. Consumir de forma consciente é eliminar desperdícios”, frisou Macedo, salientando que hoje, muitas vezes nos vemos comprando coisas que só servem para impressionar outras pessoas. “É o exibicionismo e a competitividade pautando nossas ações, pautando a sociedade do consumo” disse.

Clientes invisíveis
Trazendo uma visão mais crítica e reflexiva sobre o tratamento das minorias pelo mercado, que é parte de uma sociedade ainda estruturada em modelos tradicionais de comportamento, a escritora homossexual e cliente do banco Itaú, Laura Bacelar, chamou à atenção para os “clientes invisíveis”.

Nesse grupo, do qual faz parte, ela inclui também negros, pessoas portadores de necessidades especiais, entre outras minorias que “não se identificam com ações de propagandas veiculadas pelas empresas”.

A apresentação da escritora foi ilustrada por comerciais do Banco Itaú. “Mas é só um exemplo, que na verdade é uma prática de exclusão praticada por grande maioria das empresas”.

Laura convocou os “clientes invisíveis” a se manifestarem perante as empresas, fazendo uso dos canais de comunicação disponíveis, denunciando na imprensa e nas redes sociais, e até mesmo boicotando algumas empresas, privilegiando aquelas em que se sentem mais representadas. “Como consumidores, devemos dar um primeiro passo, dizendo que ‘a minha aparência, a maneira de viver e de ser feliz é tão viável quanto a de qualquer outro cidadão”, concluiu.

O poder do consumidor
“Nosso ato de consumo deve ser um ato político, um ato em que exercitamos a democracia”, disse o professor Morishita. “O poder do consumidor é exercido antes mesmo da realização efetiva da compra, com a escolha de produtos e serviços confeccionados com princípios de preocupação com o bem estar do planeta e da sociedade”.

Segundo o professor, o consumo talvez seja um dos momentos políticos mais importantes dentro de uma sociedade. “Se, no ato de consumir, pensarmos e procurarmos atender o bem estar de todos, podemos sim, como consumidores, criar um movimento que caminha para uma nova democracia, onde todos são valorizados”.

Para Morishita, um Brasil novo precisa de um novo consumidor, mais consciente e preocupado com o seu futuro. A sustentabilidade, na esfera do consumo, é uma grande rede de ações que têm seu impacto refletido diretamente no desenvolvimento socioeconômico e comportamental de todo o cidadão.

“O grande desafio para o Brasil é avançar em suas leis e na esfera pública. Todos nós somos peças importantíssimas neste processo. Empresas e consumidores são ‘zeladores’ deste progresso. Temos muitos desafios pela frente e a ausência do diálogo sobre os fatos nos leva a não sabermos para onde estamos indo. A principal ação dos Diálogos Itaú vem nessa direção, compartilhar experiências e pensar no indivíduo”, disse no encerramento do evento, Marcos Lisboa, vice-presidente do Banco Itaú.

 

compartilhe
FacebookTwitterLinkedInWhatsAppEmailCopy Link

Veja também