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11.01.11 às 7:51

Os lobistas das trevas

A ameaça do apagão provocou a sanha de setores retrógrados da indústria, que vislumbram um caminho para antigos e desastrosos projetos
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A ameaça do apagão provocou a sanha de setores retrógrados da indústria, que vislumbram um caminho para antigos e desastrosos projetos. No Sul do país, a indústria moribunda de carvão mineral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, tenta aproveitar o momento para tentar aprovar meia dúzia de termelétricas e vender seu produto cheio de cinzas, enxofre, poluição do ar, chuvas ácidas e péssimas condições de trabalho para os mineiros.

No Rio de Janeiro, a indústria nuclear também aproveita o momento para empurrar seu produto caro, agourento e perigoso, agora sob o nome de Angra 3, mesmo depois da falência técnica de Angra 1 e financeira de Angra 2.

De Brasília, Medidas Provisórias tentam passar por cima de leis que “pegaram” porque são entendidas pela população como importantes instrumentos da cidadania, como o Código de Defesa do Consumidor e a legislação de licenciamento ambiental.

Estas e outras saídas “salvadoras” precisam ser impedidas para que não sejamos obrigados a conviver e enfrentar por décadas os problemas gerados por decisões parciais. É importante lembrar que usinas elétricas duram muito tempo, e podem causar muitos estragos.

Engolindo o sapo
Oferta e demanda de energia elétrica praticamente empataram no Brasil perto de 65 mil MW. Como o sistema elétrico implantado no país precisa manter a oferta bem acima da demanda, chegamos a uma situação inadiministrável, com o governo ameaçando seus próprios eleitores com trevas, desemprego, crescimento da violência e desconforto.

São muitas as causas que nos trouxeram a esta situação. As principais são a total falta de atenção governamental para com a energia, um dos motores básicos da vida e da economia, e o desleixo continuado para com o meio ambiente que já leva pelo menos 500 anos.

No que é mais imediato, a desatenção para com a energia, observa-se uma ausência total de planejamento que é, em todos os sentidos, oposta ao centralismo tecnicista dos governos militares. Foi naquele período, entre 1970 e 1980, que aconteceu o grande crescimento do setor elétrico brasileiro, em regime de planejamento centralizado sob a coordenação da Eletrobrás.

A estratégia da época era garantir a oferta de energia, qualquer que fosse o crescimento da demanda, sem nenhuma preocupação com os impactos ambientais e sociais das barragens implantadas e sem sequer cogitar-se em influenciar a demanda, por exemplo através de consevação ou racionalização do consumo.

Com o esgotamento da capacidade de investimento do setor, provocado pela contenção tarifária imposta pelo governo federal até meados da década de 90 e pelo acúmulo acentuado da dívida externa – muitas vezes mal empregada como na hidrelétrica de Balbina ou nas nucleares Angra 1 e 2 -, optou-se pela privatização do sistema como saída para a manutenção do investimento necessário à expansão da oferta.

Mas a saída revelou-se na verdade um beco. Os investidores externos apenas compraram os ativos existentes e praticamente não puseram recursos em novas usinas geradoras. E chegamos onde estamos. Comportando-se como uma família tradicional que se vê repentinamente falida, o setor elétrico passou então a consumir sua ‘poupança’, talvez o mais importante bem acumulado no período de fausto, a água de suas barragens.

Pagando o mico
A crise de oferta de energia, o chamado ‘apagão’, tem também origens mais profundas e estruturais na economia e na cultura brasileiras que, das capitanias hereditárias e sesmarias até o ‘agribussines’ do cerrado, conquistou novas terras pela derrubada da floresta, queimada e exploração intensiva até o esgotamento do solo, quando se busca reiniciar o ciclo em nova área.

O processo repetiu-se da cultura de subsistência das nações indígenas originais disseminada pelos bandeirantes, passando pelos ciclos do açúcar, do ouro e da produção de alimentos para os escravos das minas, do café e do grande negócio agrícola exportador. Este, depois de ocupar e destruir praticamente todo o cerrado, bate hoje às portas da floresta amazônica, deixando para trás somente 6% da mata atlântica e 20% do cerrado ainda em pé, e tendo destruido já 14% da Amazônia.

O desmatamento provocado nesta ocupação feita “a ferro e fogo” cobra seu preço na mudança no clima regional, fazendo diminuir a evapo-transpiração da floresta original, diminuindo a capacidade de armazenamento de água das bacias hidrográficas, acelerando as águas das chuvas em direção à calha dos rios. E cobra também seu preço na perda de solo provocada pelas técnicas inadequadas da agricultura exportadora intensiva, que assoreia e mata rios e diminui a capacidade de acumulação das represas.

Para se ter uma idéia da gravidade deste processo, estima-se que 10 quilos de solo são perdidos para cada quilograma de milho produzido com as técnicas intensivas convencionais. Todo este solo tem destino certo, a calha dos cursos d’água.

O Brasil é solar
A curtíssimo prazo, ainda neste ano e no próximo, as opções estão mesmo na racionalização do uso e na conservação de energia, as possibilidades de resultado mais rápido e menor custo.

Muito já foi feito pela iniciativa exuberante da população brasileira depois das ameaças governamentais, principalmente no setor residencial. Mas existe muito mais a ser feito, já que os estudos disponíveis calculam em 30% a possibilidade de redução do consumo de eletricidade no país se forem utilizadas técnicas sofisticadas de gestão de consumo e tecnologias atualizadas de prestação de serviços energéticos, como bombas de calor, bombas de fluxo variável, equipamentos poupadores etc.

Um bom exemplo de racionalização é a reversão do uso de eletricidade para geração de calor na indústria remanescente do enlouquecido projeto de venda de eletrotermia desenvolvido pelas concessionárias de eletricidade no início da década de 1990, que ainda tem remanescentes em muitas indústrias. A transformação de eletricidade em calor é o pior uso possível para uma fonte de energia tão nobre.

Esta reversão teria enormes vantagens ambientais se feita através da disseminação da tecnologia de cogeração com gás natural em cada indústria ou grupo de indústrias, a melhor utilização possível para o gás natural, seja da bacia de Campos, seja importado da Bolívia ou Argentina.

A médio prazo, a partir de digamos três anos, a correção de trajetória do setor tem alternativas renováveis e de relativamente baixo custo na cogeração com resíduos agrícolas como a palha de arroz do Rio Grande do Sul ou o bagaço de cana das usinas de açúcar e álcool instaladas em vários estados, e no aproveitamento do imenso potencial de energia dos ventos – eólica – recentemente mapeado.

Só no Estado de São Paulo, existe a possibilidade de se gerar 3,4 mil MW com o uso do bagaço de cana. Esta quantidade é quase duas vezes maior que Angra 2 (ou cerca de 1/3 de Itaipú), com custo de implantação semelhante ao das termelétricas a gás natural propostas pelo governo federal. Há duas vantagens: (1) não gera novos poluentes, já que o bagaço de cana é hoje queimado para que as usinas se vejam livres do gigantesco volume produzido; e (2) não é gerado carbono adicional para a atmosfera, fundamental para a implantação do Protocolo de Kyoto de controle do aquecimento global.

Quanto ao aproveitamento dos ventos, o Atlas Eólico Brasileiro mapeou a possibilidade de geração de 30 mil MW somente no litoral do nordeste brasileiro com catadores de vento. A opção por sistemas eólicos, além de gerar energia limpa e abundante, cria milhares de empregos de alta qualidade na construção das pás e geradores, além de reativar a indústria de construção naval brasileira hoje extremamente dependente de encomendas da Petrobrás, para a construção das torres e outros equipamentos necessários de metalurgia pesada.

O Sol é o futuro da energia, a solução para a redução da queima de petróleo, carvão e outros combustíveis fósseis e para a estabilização do clima do Planeta. Já está em curso uma corrida pelo domínio deste mercado, com os EUA apressando seu projeto de instalação de um milhão de casas com energia solar até o ano 2.010, o Japão buscando instalar 4,6 GW fotovoltaicos até este mesmo ano e projetos para instalação de 500 mil tetos solares na União Européia. Além disso, gigantes do petróleo como a Shell e a British Petroleum têm investido para competir por frações do mercado de energia solar.

O Brasil tem grande chances de ter um lugar brilhante neste futuro. Pela sua localização geográfica particularmente privilegiada, com uma insolação média superior à das nações industrializadas, e pela – ainda – grande disponibilidade de solos e de água, o Brasil conta com um gigantesco potencial de produção de energia solar, tanto na captação direta em coletores fotovoltaicos ou aquecedores de fluídos, quanto na captação indireta através da produção da biomassa, de mini hidrelétricas ou de modernos, potentes e baratos cata-ventos.

Délcio Rodrigues é físico e diretor de campanhas do Greenpeace.

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