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11.01.11 às 5:31

O papel dos transgênicos e da agroecologia para a soberania alimentar

Os grãos geneticamente modificados não têm por objetivo acabar com a fome, mas sim aumentar o megafaturamento de algumas multinacionais
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No ano de 1996, foi realizada a Cúpula Mundial da Alimentação. Nessa ocasião não se falou em transgênicos. Nem a favor, nem contra. Cinco anos depois, os transgênicos estão no centro da problemática sobre segurança alimentar. A propaganda das indústrias transnacionais, dos governos do Norte e do Sul e das organizações multilaterais, como o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), apresenta as plantas transgênicas como solução para o problema da fome. A proposta de resolução da FAO (Organização para Alimentação e Agricultura da ONU, na sigla em inglês) para novembro próximo também não toca no tema dos transgênicos, concentrando-se em apelar para maiores investimentos nacionais e internacionais na agricultura.

Por outro lado, o diagnóstico da fome e da má nutrição mundial aponta para a pobreza e para o não-acesso a recursos produtivos como a causa da existência de 800 milhões de famintos e dos 2,4 bilhões de mal nutridos. Está claro que não falta alimento. Com a produção atual de alimentos, cada pessoa no mundo poderia comer todos os dias: 1,7kg de cereais, feijões e nozes; 200g de carne, leite e ovos; e 0,5kg de frutas e vegetais.

A marginalização de 1,35 milhões de agricultores e suas famílias é a principal causa da fome e da má nutrição. Para estes, como para muitos pobres urbanos, não há alternativas de renda e emprego e, portanto, investir em aumento de produção no primeiro mundo ou investir nas empresas rurais e nos latifúndios do terceiro mundo não resolve o problema. A idéia de que os miseráveis do campo acabaram encontrando seu lugar na economia urbana e que, neste sentido, um mundo sem agricultores é o futuro inevitável e até desejável é falsa e catastrófica. A presente hipertrofia dos centros urbanos é insustentável econômica, social e ecologicamente.

A estratégia das empresas de biotecnologia

Os transgênicos não têm por objetivo acabar com a fome, mas sim aumentar o megafaturamento de algumas multinacionais. Para se ter uma ordem de grandeza desse mercado, se o Brasil admitisse a soja transgênica da Monsanto, esta empresa poderia abraçar um mercado de sementes e herbicidas de 2 a 3 milhões de dólares/ano.

Os transgênicos não aumentam a produtividade das lavouras. A eventual diminuição do uso de inseticidas não tem se mantido nos cultivos transgênicos e o uso de herbicidas nesses casos tem aumentado. Então por que os agricultores americanos estão plantando transgênicos? Porque as empresas de sementes adotaram a estratégia de esvaziar os mercados americanos de sementes não-transgênicas e deixar os agricultores sem opção.

Caso a Monsanto consiga impor sua lei no Brasil, 80% das sementes “industriais” de milho passarão a ser transgênicas e todos os cultivos de milho serão contaminados. Vinte e cinco por cento do milho nos EUA é transgênico, mas 75% de todo o milho cultivado está contaminado. As empresas transnacionais apostam em uma contaminação geral dos cultivos no mundo, numa estratégia criminosa para impor seus interesses.

Os sistemas agroecológicos de produção

Os transgênicos não são necessários para aumentar a produção e a qualidade dos alimentos. Os sistemas agroecológicos têm proporcionado aumentos de produtividade por área de 93% (média) nas mais difíceis condições ambientais e sociais (estudo de 89 casos em todo o mundo). Estas não são microexperiências com poucos agricultores e poucos hectares de cultivo, mas sim grandes projetos de desenvolvimento envolvendo milhões de pequenos agricultores.

Os aumentos de produtividade podem alcançar, de forma sustentável, os 500%, como no programa desenvolvido pela AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) com produção de feijão preto, no Sul do Brasil. No caso do arroz, em Madagascar, a produtividade saltou de 2 toneladas por hectare para 5, em média, chegando a 15 nos melhores casos, sem uso de químicos. Já em Cuba, a produtividade das hortas intensivas saltou de 1,6 kg/m2 para 19,6 kg/m2.

Para os agricultores familiares, a agroecologia é a solução técnica mais apropriada e é algo que a grande propriedade não pode utilizar integralmente. Até a chegada dos transgênicos, lutávamos, agricultores e ONGs, contra as políticas desfavoráveis e, apesar destas, conseguimos avançar.

A campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos”

A difusão de plantas transgênicas muda tudo porque impõe riscos de contaminação geral de todos os cultivos e pode inviabilizar a produção agroecológica. Mais que isso, sem qualquer exagero terrorista, os transgênicos podem, se mantidas suas propriedades atuais, não só inviabilizar a agroecologia, como também inviabilizar a própria agricultura.

É por entender o dramático risco que enfrentamos que uma frente ampla de organizações de agricultores, ONGs de apoio, organizações de consumidores, de ambientalistas e de pesquisadores das ciências agrárias e biológicas e da medicina e nutrição criaram a campanha “Por um Brasil Livre de Transgênicos”.

Neste momento, a produção e o consumo de transgênicos estão proibidos no Brasil por uma decisão judicial baseada em ação promovida pela campanha. Mas as transnacionais que comandam o governo brasileiro estão fazendo pressões desesperadas no Congresso para aprovar uma lei para liberar esses produtos.

A contra-pressão popular será essencial para impedir que isto aconteça. A Campanha conta sobretudo com a ação das organizações do campo Contag e MST e religiosas, como a CNBB. Para isso, preparamos materiais informativos que são distribuídos gratuitamente.

O apoio internacional para a campanha brasileira é chave para nosso sucesso. O Brasil é o último território não-transgênico com peso no mercado mundial. Se esta situação se alterar, será difícil conter a onda transgênica, que começa a perder força frente à crescente resistência dos agricultores e consumidores europeus.

Jean Marc von der Weid é coordenador do Programa de Políticas Públicas da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA); este artigo foi publicado originalmente na Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits)

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