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08.12.15 às 14:58

Morada da Floresta descobre nos minhocários um negócio lucrativo

Empresa inovou no desenho de composteiras domésticas para que recebessem um volume maior de resíduos e decidiu vendê-las

Comentário Akatu: iniciativas de reciclagem de lixo devem ser implantadas, e o consumidor deve fazer o possível para evitar a geração desnecessária de detritos, lembrando sempre dos três “R”: reduzir, reaproveitar e reciclar.

Quando se fala em reciclagem logo vêm à mente garrafas e sacolas plásticas, latinhas, embalagens de vidro, caixas e papéis em geral. No entanto, a maior parte do lixo descartado nas cidades – 70% do total –, é composta por resíduo orgânico, tais como restos de comida e podas de jardim. Embora também possa se transformar em novo produto em vez de ir para lixão ou aterro sanitário, o resíduo orgânico geralmente está fora do radar dos consumidores, das ações das empresas e das políticas de governo.

É exatamente essa volumosa parcela do lixo dispensada como “patinho feito” o principal objeto de negócio da Morada da Floresta, empresa que se estruturou a partir de uma longa história pessoal de busca por práticas harmoniosas com o planeta. “Foi a saga de um hippie em busca de fazer dinheiro com a forma alternativa de viver em sociedade”, resume o empresário Cláudio Vinícius Spínola, artista plástico brasiliense que trocou a vida sob a influência punk-rock da capital federal pelo desafio dos problemas urbanos de São Paulo.

Por alguns anos, ele rodou o País para conhecer a permacultura [1] e o movimento de ecovilas e voltou com o propósito de tornar a casa onde morava – até então uma república de estudantes – em um centro de atividades ecológicas, como coleta de água da chuva e aquecimento solar. Uma delas foi a compostagem [2], que transformava os restos da cozinha em adubo orgânico. O objetivo inicial era manter um frondoso jardim de ayahuasca, a planta amazônica utilizada em rituais religiosos do Santo Daime, em destaque na entrada da sua residência, onde hoje também funciona o negócio, no bairro paulistano do Butantã.

O visual do lugar, pintado e cercado de verde, reflete o nome da empresa. Além de inúmeros vasos com mudas de árvores onde o adubo é testado, uma horta com alfavaca, alecrim, couve e salsinha chama atenção sobre o muro da sede da Morada da Floresta. Na fachada da casa, um cartaz pergunta: “Você sabe o que é um minhocário?” A mensagem sinaliza o atual negócio lá empreendido, após uma fase inicial em que o sustento daquele espaço se dava por meio de cursos.

Não foi fácil achar o rumo: “Faltava foco e maturidade empresarial”, conta Spínola. Depois de participar em 2008 de uma jornada de empreendedorismo da Artemisia, organização que dissemina e fomenta negócios de impacto social no Brasil, o empresário inovou no desenho de composteiras domésticas para que recebessem um volume maior de resíduos e decidiu vendê-las – o que poderia ser uma alternativa promissora, porque as minhocas, reproduzidas em grande número no quintal, garantem um adubo de boa qualidade na compostagem.

Diante do potencial, a empresa foi formalizada no ano seguinte, após o nascimento da primeira filha, Violeta, quando a mulher de Spínola começou a confeccionar para venda absorventes femininos e fraldas reutilizáveis, feitos de tecido, em lugar dos descartáveis. Os ganhos com esses produtos e o cenário positivo criado pela lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010, deram um impulso à comercialização das composteiras.
“Para aumentar a quantidade de minhocas, começamos a coletar resíduos na xepa das feiras”, conta o empreendedor, que esbarrou em uma série de obstáculos legais e burocráticos para lidar com esses produtos. Até o dia em que resolveu enviar email ao então secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge, que o recebeu no gabinete.

A partir daí, com o sinal verde da prefeitura, Spínola iniciou uma maratona de informação e conscientização entre os políticos – a começar pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Vereadores – para mostrar as vantagens da reciclagem também dos resíduos orgânicos, no local de origem, as residências. Além do aspecto ambiental e social, a transformação do lixo em adubo reduz o custo de transporte e despejo do resíduo em aterro, que é de R$ 200 por tonelada, em média, cobrados pelas concessionárias de limpeza urbana.

“Havia um mito de que a compostagem não dá certo, devido a experiências do passado tecnicamente equivocadas, envolvendo usinas de grande porte, caras e ineficientes”, diz o empresário. Para ele, a maior barreira é a desinformação, como a retratada na estampa das sacolas plásticas aprovadas pela prefeitura de São Paulo para separação dos resíduos. “Nelas, restos de comida são apresentados como não recicláveis.”

Na consulta pública para o Programa de Metas 2013-2016 do município, ele conseguiu aprovar uma sugestão estratégica: a obrigação da compostagem dos resíduos de todas as feiras da cidade. Um ano depois, em 2014, no projeto municipal Composta São Paulo, a Morada da Floresta foi contratada para a distribuição de 2 mil composteiras domésticas, cada uma capaz de reciclar um quilo por dia, o que evitou o despejo de duas toneladas de resíduos em aterro sanitário, juntando todas elas. Encerrado em junho deste ano, o contrato, no valor de R$ 1 milhão, incluiu oficinas educativas e pesquisa sobre mudanças de hábito.

“O plano agora é renovar o projeto, ampliando-o para até 10 mil composteiras, com o objetivo de que depois seja incorporado como política pública”, revela o empresário, hoje com 13 funcionários e faturamento mensal de R$ 120 mil, incluindo os cursos, as fraldas e absorventes ecológicos e a venda de 200 sistemas domésticos e empresariais de compostagem por mês, em média, também pela internet.

O desafio do momento é desenvolver melhorias para reduzir o custo de produção, transporte e estocagem, permitindo maior remuneração para a cadeia de revenda, ampliando o raio de ação do negócio. Hoje a margem para os comerciantes é de no máximo 20%. “Estamos arrumando a casa para mudar isso”, ressalta Spínola, esperançoso com o futuro da gestão dos resíduos no País e com a possibilidade de replicar a inovação, atraindo novas parcerias, inclusive em outras cidades.

[1] Permacultura: atividade que reproduz padrões e relações encontrados na natureza para produção de alimentos, fibras e energia na quantidade que supre as necessidades locais
[2] Compostagem: processo biológico natural em que minhocas e microrganismos degradam o resíduo orgânico, transformando-o em “composto”, material semelhante ao solo que pode ser utilizado como adubo

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