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12.01.11 às 5:41

Miguel Milano: A hora é agora

Entrevisa com o diretor técnico da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza
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Akatu — Qual é a sua visão de futuro para a causa do meio ambiente?
Miguel Milano — Talvez a questão essencial não seja de futuro, mas de presente. Se muita coisa não mudar em curto prazo o futuro se tornará inviável. Os exemplos de destruição do meio ambiente estão por todos os lados: situação crítica dos recursos hídricos; condições atmosféricas aquém de padrões mínimos na maioria das cidades médias e grandes; extinção em massa de espécies da fauna e flora e conseqüente perda de diversidade biológica.
Destas questões, duas devem ser particularmente destacadas. Primeiro a insana situação de destruição de todos os tipos de ecossistemas, com o conseqüente desaparecimento de espécies, em prol do que se convencionou chamar desenvolvimento. É um “vale tudo” sem fim e, como tal, sem regras e ética. Tudo agora é mascarado com a denominação de desenvolvimento sustentável — rótulo do momento para tornar mais aceitável um produto que frequentemente é ruim.
Mas o momento traz uma inovação nesta questão da destruição dos ecossistemas: além da dependência humana radical dos recursos naturais renováveis como alimentos, medicamentos, madeiras, fibras, entre outros, há agora a questão ética relativa ao direito humano de extinguir dolosa ou culposamente outras espécies. Ninguém tem o direito de cometer esses massacres.
A segunda questão preocupante está relacionada à nossa necessidade vital e crescente por água e o estado em que as fontes deste recurso se encontram onde mais se precisa dele; particularmente as cidades. Para preservar a água que nos é vital são necessários espaços naturais não ocupados pelo homem, cobertos por florestas ou por outros ecossistemas, que ajudarão a salvar algo da rica biodiversidade que hoje é destruída.
Ainda que eu prefira fazer uma análise mais ética, vale destacar que o reconhecimento dos recursos naturais como tal e, portanto, como uma necessidade humana, é um fato que contribuirá cada vez mais, como já vem ocorrendo, para mudanças de posturas.
Mas, considerando-se a situação sob um viés econômico, lamentavelmente a necessária valorização dos recursos não tem se dado na mesma proporção do reconhecimento da necessidade que temos dos mesmos. Em outras palavras, os recursos naturais passaram a ser “commodities” baratos. Consideradas apenas estas questões, sendo que há outras tão ou mais importantes, acredito que o futuro trará, num primeiro momento, uma maior valorização econômica tanto da água como da biodiversidade (recursos genéticos e princípios ativos).
Como conseqüência teremos mais preocupações com a conservação dos mesmos, que serão garantidos através de políticas, leis e investimentos públicos e privados. Num segundo momento, resultante tanto dessa situação como de melhores níveis educacionais, imagino que cada vez mais a questão ética permeará e mesmo norteará políticas e decisões de investimentos respeitando a natureza e o meio ambiente, bens comuns de todos os habitantes do planeta.

Akatu — O que precisa ser feito para se chegar lá?
Milano — Muita coisa precisa ser feita, e para isso o conhecimento é uma questão fundamental. Pesquisa científica ajuda muito, mas isoladamente não resolve. O essencial é educação. Educação no seu sentido mais amplo, da aquisição de conhecimentos para a mudança de comportamentos. A filosofia e a ética, hoje um pouco fora de moda para muitos, também passam a ser fundamentais. Não temos como chegar a um futuro com justiça social e ambiental sem ética e sem princípios de valores comuns. Para isso é fundamental uma educação que leve ao exercício da cidadania, que forme cidadãos do planeta.

Akatu — O que as empresas podem fazer?
Milano — As empresas são possivelmente os agentes mais importantes da maioria das mudanças sociais que vêm ocorrendo no planeta. Quando não são as próprias indutoras dos processos, pelos produtos e serviços que oferecem, adaptam-se rapidamente a eles para tirar proveito econômico de qualquer situação e para atender demandas espontâneas. Atualmente, nem mesmo os artistas, religiosos, jornalistas e cientistas são tão indutores de mudanças comportamentais e de consumo quanto as empresas. Isso porque freqüentemente estes constituem os próprios produtos delas. Quando empresas “lideres” assumem qualquer postura pública, rapidamente se tornam exemplos. Se essas posturas são éticas é excelente pois elas tendem a ser copiadas. Quando não são éticas, isso é muito ruim, pois suas posturas servem de justificativas para outras empresas agirem da mesma forma. Além disso, as mudanças importantes na área do meio ambiente exigem recursos econômicos e financeiros. Recursos esses que as empresas têm. Se apenas uma pequena parte do muito que é gasto com propaganda e promoção for destinado ao que hoje chamamos de investimento social privado — um conceito moderno que tende a expandir-se — muito já poderá ser feito.

Akatu — O que as pessoas podem fazer?
Milano — As pessoas podem fazer a sua parte. As mudanças importantes não dependem de todos, mas apenas da postura decisiva da parcela mais consciente da sociedade. Com 20 ou 30% dos consumidores desejando um determinado tipo de produto e boicotando os “similares” que não atendem aos requisitos desejados, por exemplo, já é possível mudar quase toda a produção. Esta mudança já vem acontecendo na indústria automobilística com relação a adoção de equipamentos de segurança. Itens que até há pouco tempo eram opcionais já são produtos de série. Com base neste exemplo, vale destacar que as pessoas, como consumidoras, podem também ser os motores das mudanças e não apenas as conseqüências do marketing das empresas. Usando as mesmas armas que as empresas podemos fazer muito como consumidores, exigindo produtos que sejam ambiental, social e eticamente produzidos. Além disso, as pessoas podem e devem agir como cidadãos conscientes dos seus deveres e direitos, rejeitando políticas públicas que firam seus direitos e promovendo aquelas que os atendam e respeitem. As pessoas conscientes, quando estabelecidas em posições chave, também podem usar essas posições para, eticamente, promover mudanças. Há ainda possibilidades de participação em organizações do terceiro setor, as conhecidas Organizações Não Governamentais (ONGs), de atuação voluntária em causas diversas, de doações de recursos para mudanças das realidades sociais e ambientais.

Akatu — O que o Estado pode fazer?
Milano — O Estado tem que buscar condições para atender aos direitos dos cidadãos, uma vez que é deles que o próprio Estado decorre. Como tal, é ao Estado que compete, prioritariamente, estabelecer e implementar políticas públicas capazes de atender às necessidades da sociedade como coletividade e dos cidadãos como indivíduos. O Estado deve definir leis e ser coerente com elas. Suas ações devem permitir que os anseios sociais sejam alcançados. Essas ações devem incluir o estabelecimento de regulamentos, de órgãos de governos capazes e ágeis, de impostos e taxas, de benefícios e incentivos fiscais, entre outros.

Akatu — Qual a situação atual do meio ambiente no mundo?
Milano — A situação é extremamente diferente de região para região. De uma maneira geral, as maiores diferenças estão nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre pobres e ricos. Genericamente, nos países desenvolvidos a situação é muito melhor em termos de leis, instituições, ciência e tecnologia e mesmo em tradição. Mas, lamentavelmente para o planeta, não é nesses países que se encontra a parte mais expressiva da biodiversidade, pois nesse caso sua conservação estaria hoje melhor assegurada do que está. Nos países em desenvolvimento, em sua maioria tropicais, são encontrados os mais altos índices de biodiversidade, uma riqueza inegável mas cujos benefícios são geralmente dependentes de tecnologia praticamente inatingível para seus cidadãos. Esses países enfrentam problemas sociais e econômicos decorrentes, em grande parte, do estado de educação vigente nos mesmos. Isso, somado à persistência de governos fracos e corruptos e a uma ordem internacional cruel, é a causa da destruição da maior riqueza que esses países possuem. Não dá para esquecer que os países desenvolvidos e ricos dependem e têm interesse na biodiversidade dos países tropicais, mas eles pouco fazem para mudar o “status quo” da conservação desse precioso recurso. Em geral, defendem seus interesses de forma mesquinha, sem auxiliar na eliminação das causas da destruição. Como exemplo, estes países apoiam direta e indiretamente governos ilegítimos. Da mesma forma, apoiam a destruição ao cobrarem dívidas descabidas por eles mesmos fomentadas. Não raro, as empresas desses países se envolvem diretamente em biopirataria, como acompanhamos pela imprensa. É necessária uma maior e mais efetiva cooperação internacional para a conservação, com ênfase no enfrentamento das causas dos problemas e não nas conseqüências aparentes deles. Precisamos investir mais no tratamento preventivo e menos na terapia curativa.

Akatu — Qual a situação atual da causa no Brasil?
Milano — É intermediária em todos os sentidos, pelas próprias considerações acima. É preciso ter claro que um dos maiores problemas nacionais em termos de meio ambiente e conservação da natureza é a falta de tradição, algo certamente associado aos baixos níveis de educação ainda vigentes e à cultura de país de fronteira que ainda vigora entre nós. Sendo um pouco irônico, podemos dizer que as elites dominantes ainda pensam que se gastamos 500 anos para destruir apenas um pouco mais que a metade do país — talvez, para eles, uma mostra da ineficiência do sistema vigente — vamos precisar de outro tanto para destruir o resto. Com isso, elas não consideram este problema nosso, mas das gerações vindouras. Essas elites se esquecem da tecnologia e da demografia associadas ao histórico desses 500 anos. Porém, não podemos deixar de considerar que as próprias lideranças conservacionistas e ambientalistas têm sido, em geral, pouco mobilizadoras da opinião pública; um problema que algumas vezes decorre do nível de evidência dos próprios interesses políticos pessoais de algumas dessas lideranças, que tanto inibe um maior envolvimento coletivo como muitas vezes causa desconfianças em parcela expressiva de setores e sub-setores da sociedade. Institucionalmente vamos também aos trancos e barrancos. Nos últimos cinqüenta anos, em nível federal o país teve quase uma dúzia de organizações governamentais encarregadas das questões da natureza (florestas, fauna terrestre e pesca) e meio ambiente, umas substituindo as outras ou se fundindo, até o presente IBAMA. Como conseqüência disso, enquanto nos Estados Unidos o Serviço de Parques Nacionais é avaliado como uma das mais confiáveis, eficientes e melhores “instituições” do país, aqui o IBAMA nem aparece na lista das instituições mais lembradas. Somos detentores da maior biodiversidade do planeta, o que significa dizer que somos responsáveis pela existência de cerca de 20% ou mais de todas as espécies de seres vivos do planeta. É uma grande responsabilidade. Temos decretados como parques nacionais ou outras formas de terras rigidamente protegidas menos de 4% do nosso território. Isso é muito pouco, pois está apenas protegido por lei. Faltam recursos financeiros, materiais e humanos para proteger de fato essa que é nossa maior herança natural. Essa é a situação de um setor. Poderíamos analisar outros dentro do grande espectro da questão ambiental. Encontramos em todos eles um tratamento muito parecido.

Akatu — Qual o papel das organizações não governamentais na defesa do meio ambiente?
Milano — Proeminente! Já é expressivo mas ainda falta muito a conquistar. De qualquer forma, dois aspectos devem ser destacados. O primeiro é que as organizações não governamentais devem ser vistas e devem agir apenas como complementares ao Estado e nunca em substituição a ele. Mas, erroneamente, não é o que vem ocorrendo em muitas situações. Essa realidade acarreta prejuízos futuros para toda a sociedade e gera conforto para um Estado que, coerente com as mais perversas regras da globalização, quer ser um Estado mínimo. Entre os papéis das ONGs está o de organizar a sociedade, ou parcelas específicas dela, para garantir os seus direitos, inclusive frente ao Estado, cobrando desse suas obrigações. Outro aspecto a ser considerado, que ocorre em todo o mundo, é a existência de organizações não governamentais contaminadas por interesses político-ideológicos agindo através de causas diversas que lhes são apenas meio e não fim, como deveriam ser. Com isso, muitas vezes, a essência da questão perde apoio público legítimo.

Akatu — O que de positivo vem sendo feito em defesa do meio ambiente? Quais as principais conquistas?
Milano — Eu diria que há muita e pouca coisa sendo feita ao mesmo tempo. Se de um lado se desdobram iniciativas, por outro, elas são poucas e incipientes para as dimensões dos problemas que precisamos enfrentar. A educação ambiental — incipiente ou não, bem planejada ou não, consistente ou não — está se estabelecendo em definitivo. Mas esse é o processo natural das coisas: primeiro elas precisam acontecer para depois irem se aprimorando. A educação ambiental é algo que, como a educação para a saúde, veio para ficar. Assim, cidadãos e consumidores ambientalmente conscientes e responsáveis vão sendo formados. Entre as iniciativas positivas que relacionam as pessoas como consumidores e as empresas como produtoras estão todas as formas de certificação de produtos e serviços, com destaque para a ISO 14000, a crescente produção de alimentos orgânicos na agricultura (sem o uso de agrotóxicos e apenas com fertilizantes naturais) e as iniciativas de certificação florestal. A importância de tais iniciativas reside no fato de elas agirem em efeito cascata junto a fornecedores de produtos e serviços, abrangendo redes inteiras de produção. Outra iniciativa importante está relacionada às ações de responsabilidade social das empresas que, como bem define o Instituto Ethos, estabelecem a necessidade de relações éticas em toda a rede de conexões de cada empresa, incluindo funcionários, consumidores, meio ambiente, governo e sociedade em geral. Uma conseqüência imediata do pensamento e comportamento socialmente responsável é, por exemplo, o cumprimento da legislação ambiental e, posteriormente, a busca de fornecedores com os mesmos princípios. Na seqüência vêm as ações de investimento social privado com foco em meio ambiente que, planejadas e monitoradas, constituem um grande avanço em relação ao conceito anteriormente adotado da filantropia empresarial. Também começam a ser firmadas parcerias e alianças para alcançar fins maiores comuns.

Akatu — Quem são os principais beneficiários da causa do meio ambiente?
Milano — Nós mesmos, os seres humanos que habitam este planeta. Para nossa própria segurança, precisamos frear rapidamente os impactos que vêm pondo em risco a habitabilidade do planeta. O efeito estufa e as conseqüentes mudanças climáticas não são mera ficção científica, são fato corrente comprovado. Daí a enormes mudanças em tudo que nos cerca é um passo, cujo tempo não é previsível, mas que pode ser amanhã. Gostaria de poder pensar e de dizer que estas ações de cuidado com a natureza e com o planeta são simplesmente uma decisão ética do homem, do ser ético e benevolente. Mas a realidade é que tais mudanças só estão ocorrendo para garantir nossa própria preservação como espécie. Dependemos das outras espécies e de um ambiente minimamente equilibrado e previsível e já descobrimos isso. Então começamos a agir para nosso próprio benefício, ainda que muito timidamente.

Akatu — O que gerou seu envolvimento com a causa do meio ambiente?
Minha própria história como pessoa, em particular minha infância. Nasci em uma pequena cidade no interior do Paraná que até o final dos anos sessenta não contava nem mesmo com energia elétrica. A diversão da família era o bate-papo do final de tarde, a leitura e os piqueniques e pescarias de finais de semana. Aos onze anos fui cursar o ginásio em um internato em outra cidade, voltando apenas nas férias para as mesmas atividades de recreação. Todavia, os grandes desmatamentos e o processo de colonização do Paraná, então em curso, fizeram com que meus locais de piqueniques estivessem cada vez mais distantes e meus rios cada vez mais sujos e assoreados. Naquela época eu ainda pensava ser engenheiro. Então descobri que existia uma carreira chamada engenharia florestal e que através dela teria a oportunidade de ajudar a mudar a situação. Nessa profissão, dediquei meus primeiros dez anos exclusivamente ao ensino e à pesquisa na Universidade Federal do Paraná. Depois, sentindo que não era o suficiente, passei a conciliar essas atividades com a promoção da causa conservacionista, o que venho fazendo essencialmente através da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, instituição que ajudei a criar, dirijo e à qual credito muito das minhas mais importantes realizações, como por exemplo a criação da Reserva Natural Salto Morato em Guaraqueçaba, no litoral norte do Paraná.

Miguel Milano é engenheiro florestal, mestre e doutor em Ciências, professor adjunto da Universidade Federal do Paraná, diretor técnico da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza (PR), membro dos Conselhos de Administração da FUNATURA (DF), da Universidade Livre do Meio Ambiente (PR); da Forest Trends (Washington – DC, USA); do Conselho Diretor do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e da ECOPARANÁ.

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