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17.07.17 às 10:36

É preciso refletir sobre o verdadeiro “preço” de um produto ou serviço

Valor estampado na etiqueta do produto ou de serviço não considera impactos na sociedade e no meio ambiente

O artigo abaixo, escrito pelo professor Marcelo Valério, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), aborda a diferença entre desejo e necessidade, que acabam se confundindo na cabeça dos consumidores. No contexto atual, em que produtos e serviços carregam em si significados de status e realização pessoal, ele chama a atenção para a importância de perceber a consequência desse estilo de vida, que tem um “preço” que vai além daquele exibido na etiqueta. O consumidor deve fazer as 6 Perguntas do Consumo Consciente, de forma a levar em conta os impactos na sociedade e no meio ambiente, envolvidos nas diversas etapas do consumo.

Eu, consumidor. Nós, consumidos.

Marcelo Valério*

Eu sei o que você é. E imagino que você também deva saber. Olhe agora para você, para o lugar que escolheu para ler esse texto. É bem provável que você esteja (bem) vestido e dentro de algum cômodo (confortável) de sua casa ou lugar de trabalho. Como é esse lugar? Há nele móveis e aparelhos de diferentes tipos? E você então, o que carrega consigo, junto de seu corpo: roupas, acessórios, um aparelho celular talvez? E o que carregou você até aí: um automóvel, ônibus, ou quem sabe um vagão de trem ou metrô?

Obviamente não tenho resposta para estas perguntas, mas por si só elas me dizem o que você é: você é um comprador! Desde antes do seu nascimento uma infinidade de bens e serviços foram produzidos, utilizados e descartados para que você estivesse aí hoje, provavelmente sentado, se dispondo a ler os escritos de alguém interessado apenas em provocá-lo (a). Não há saída, é o que somos, irrevogavelmente, eu, você, nossos parentes, amigos e vizinhos, conhecidos ou não: somos todos compradores.

Comprando para ser alguém

Nós compramos tudo, desde a água que sai da torneira e banha logo cedo nossos rostos inchados até o lençol que confortavelmente cobre nossos corpos cansados ao final da jornada de cada dia. E esse é um hábito histórico: há muito tempo nossa sociedade se relaciona comercialmente e suprimos nossas necessidades adquirindo produtos e serviços diversos. Ocorre, porém, que as aulas de História só nos ensinaram a evolução das formas de relacionamento comercial e não de nosso ideário sobre o que são nossas necessidades. Essa é uma alteração que ganha importância a partir da primeira revolução industrial, quando então o ritmo da produção foi incrementado a patamares antes impensados e a geração de um volume massivo de mercadorias – às vezes sem potencial de compra aparente – exigiu a criação de demanda por consumo.

As galerias parisienses do século 19 marcariam a transposição da noção de aquisição pela utilidade para um modelo de apropriação de mercadorias agregadas de valores como distinção e poder. O ato de comprar deixara de ser uma prática social através da qual apenas se supre as necessidades à subsistência, assumindo o sentido de lazer e libertação pessoal que hoje cultuamos em nossos “modernos” shopping centers. Desde então, o consumo de mercadorias se tornou uma atividade humana definidora da posição social e, por consequência, da identidade das pessoas.

Somos agora definidos pelo que o vestimos, comemos e pelos ambientes que frequentamos, em uma supervalorização do poder de posse que vemos em anúncios de automóveis, que “tornam” seus compradores viris e sedutores; de alimentos, capazes de reunir à mesa famílias sempre belas e felizes; e de cosméticos ou fármacos, mantenedores da juventude eterna, potencializadores de bem-estar e sucesso profissional.

Nossa noção do que é importante ter ou vivenciar para que nos distingamos ou nos agreguemos a algum coletivo social é que define o conceito de necessário para cada um de nós. Como no ditado antigo que dizia que “a ocasião faz o ladrão”, seria de esperar também que “a necessidade fizesse o comprador”, mas agora que produtos e serviços carregam em si significados de status e realização pessoal, não parece mais tão simples dizer o que é necessário e que seria supérfluo.

Comprando de forma consciente

O leitor pode se perguntar por que se definir através dos bens e serviços do quais se goza seria problemático? A resposta mais simples é que o ato de compra define apenas uma parcela do que chamamos de consumo, já que não contemplamos “por que”, “como” ou “de quem” compramos.

É importante que se entenda que qualquer mercadoria ou serviço que esteja disponível à compra tem um processo produtivo que a precede e um processo de descarte a sucedendo. Neles, estão embutidos custos de natureza distinta daquele que aparece nas etiquetas de preço: o custo intelectual e/ou físico dos trabalhadores, o ônus ambiental da extração e transformação da matéria-prima, bem como os gastos e impactos do tratamento, transporte e destinação dos resíduos. E esses são apenas exemplos de como a integralidade do consumo está longe da percepção do comprador. Será que aquela empresa respeita os direitos de seus empregados? Será que há investimento na manutenção da qualidade do ambiente do qual extrai a base para aquele produto? São perguntas que nos levam a entender que comprar é bastante diferente de consumir.

*Marcelo Valério é professor da Universidade Federal do Paraná. Leciona para as Licenciaturas de Computação e Licenciatura em Ciências Exatas (Química, Física e Matemática) no campus avançado de Jandaia do Sul (PR).

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