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12.11.12 às 19:02

Do colapso ao equilíbrio: pelo paradigma da sustentação da vida

“Nós, humanos, não somos os donos do pedaço. Somos apenas um elo dessa corrente”
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Especulações sobre o fim do mundo se tornaram piada em qualquer mesa de bar. Parece que superamos o medo de uma destruição total e repentina e resolvemos levar na brincadeira, talvez para não termos que encarar a realidade nua e crua que está diante de nós: estamos, sim, no fim do mundo. O mundo como conhecemos até agora está ruindo.

Vivemos uma crise global que se manifesta em diferentes campos, mas vou me concentrar em dois deles. Oitocentos e setenta milhões de pessoas passam fome, número que representa 12,5% da população mundial. Na outra ponta, 12% da população está obesa. Recente relatório da FAO, órgão das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, alerta para a iminência de uma crise mundial de alimentação por conta da alta nos preços dos alimentos.

A crise econômica global tem também previsões sombrias. Segundo o megainvestidor Bill Gross, o “câncer do crédito pode estar em metástase” e para outro investidor há 100% de chance de recessão global em 2013. Raoul Pal, também do mercado financeiro, vai mais longe e alerta que viveremos o “maior choque econômico que o mundo já viveu”. Segundo a Revista Exame, “Pal prevê o colapso do sistema bancário mundial, com os governos das principais economias quebrando e o sistema financeiro passando por uma reorganização completa. O que assusta Pal, no entanto, é que “praticamente não há freios para evitar essa situação e quase ninguém percebe a seriedade da situação”.

Quem está fazendo essas previsões são os que mais entendem do assunto, não são os Maias e nem mesmo os que anunciam uma Nova Era.

Mas então, por que estamos de braços cruzados a esperar o fim? Porque estamos entorpecidos psiquicamente. E nesse estado individual e coletivo, escapamos da realidade e da nossa responsabilidade por diversas portas: o consumo desenfreado e irresponsável, a alienação diante da televisão, os vícios, a violência, a passividade política, a crença infantil de que seremos salvos por alguém ou por algum governo, a busca de culpados etc. Esse entorpecimento tem uma função: proteger-nos da dor que sentimos. Funciona como um anestésico.

Mas, assim como precisamos do sintoma para reconhecer e tratar de uma doença física, precisamos reconhecer e encarar os sintomas da doença do mundo para agir em prol da sua cura.

Fazer nascer um mundo novo é tarefa nossa. Não dá mais para jogarmos a responsabilidade na geração futura, ensinando nossos filhos a reciclar o lixo e aliviando a nossa dor na distribuição de cestas básicas quando acontece uma tragédia.

A bomba estourou bem aqui, nas nossas mãos. O paradigma do crescimento industrial, da separação entre o homem e a natureza, da modernidade – ou qualquer outro nome que se dê à estrutura que gerou pensamentos, ciência, filosofias, artes e místicas, nos últimos séculos –, está desmoronando no nosso tempo. É sobre nós que os livros falarão no futuro. Seremos nós, se decidirmos, os que terão feito uma grande virada na história da civilização humana. E nesse momento eu gostaria de fazer uma pergunta: queremos estar entre os que farão a sociedade reagir ou preferiremos permanecer entorpecidos, paralisados pelo medo, chamando de felicidade pequenos prazeres da vida que custam a sobrevivência de milhões de pessoas?

Vamos falar de um novo paradigma. Roberto Crema, reitor da Universidade da Paz, diz metaforicamente que esse paradigma nasce do barulho e dos escombros, como uma pequena planta, silenciosamente. Por isso, para percebê-lo e ajudá-lo a se instalar, é preciso mudar o olhar, a forma de ver o mundo. Como dizia Einstein, “o pensamento que criou o problema não pode ser o mesmo que o solucionará”.

Esse novo olhar é o reconhecimento de que só há um caminho: entendermos que o homem, assim como todos os outros seres, pertence inseparavelmente à natureza, num grande e complexo sistema vivo. Diferentemente do que acreditamos e que justificam nossas ações e seus resultados, nós, humanos, não somos os donos do pedaço. Somos apenas um elo dessa corrente.

O paradigma de sustentação da vida é a visão segundo a qual tudo é interdependente e está conectado. Isso inclui o que é físico, energético, econômico, social, psíquico, espiritual. Estamos todos ligados a uma teia invisível de relacionamento. O que fizermos a essa teia, estamos fazendo a nós mesmos. Mais uma vez, é importante salientar, essa não é apenas uma constatação das antigas tradições, mas é agora também uma constatação científica.

Essa teia se auto-organiza e regula para responder aos desafios que lhe são impostos pelas mudanças de condição de seu ambiente, é viva, dinâmica, tende sempre a buscar o equilíbrio. Nem que para isso seja necessária uma desintegração, isto é, quando um arranjo desaparece para dar lugar a outro com mais possibilidades de interação.

Esse é o momento que estamos vivendo. O desequilíbrio da teia da qual fazemos parte é visível para onde quer que olhemos. Mas o reequilíbrio virá com ou sem a nossa participação. E não sabemos quando. No entanto, nós temos a escolha de entender esse processo e participarmos ativamente para que ele seja o menos doloroso possível e para que seus impactos possam ser atenuados. A semente precisa morrer para que a árvore possa nascer.

Diante dessa perspectiva, precisamos despertar do entorpecimento psíquico para continuar, como espécie, fazendo parte dessa rede da vida.

O paradigma de sustentação da vida, também chamado de paradigma da transdisciplinaridade, paradigma do cuidado, ou ecologia profunda, nos convoca a repensar todas as nossas atitudes e valores. Sim, todas. Em qualquer área que você atue, em qualquer lugar que você viva, cada atitude faz diferença, porque afeta a rede da qual todos fazemos parte.

Entender que estamos todos conectados e que ninguém se livrará sozinho dessa crise nos ajuda a refletir sobre o tipo de atitude que precisaremos desenvolver para uma grande virada. É preciso assumir a nossa responsabilidade. Existem inúmeras formas de começar a agir, mas é preciso que seja agora.

Repensar os nossos atos de consumo pode ser um grande e importante instrumento de mudança. Se perguntar se uma compra é realmente necessária ou se informar sobre a forma como o produto é produzido são atitudes responsáveis e que repercutirão na teia da vida. Mudar os nossos hábitos de alimentação, reduzindo ou parando de comer carne, por exemplo, é outro grande passo. É importante lembrar: os cereais que deveriam estar chegando ao prato dos que passam fome, estão alimentando animais que ocupam áreas de floresta devastada e que serão tratados com crueldade e mortos para alimentar o ser humano.

Percebe os pontos dessa rede?

É claro que por algum tempo precisaremos conviver com dois paradigmas. Não podemos mudar absolutamente tudo o que gostaríamos de uma hora para outra, mas podemos e precisamos começar já. A teia está no seu limite. E o que acontecer a ela, acontecerá a nós mesmos.

Daniela Reis é gerente do Instituto EBX e criou o Instituto Beija-Flor para atuar na transição para um novo paradigma

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