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30.11.10 às 21:36

Dados de emissão de poluentes pelos automóveis confundem consumidor

Especialistas criticam a metodologia da avaliação do Ministério do Meio Ambiente e defendem o álcool como o combustível que causa menos impactos negativos para a saúde humana
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No dia 15 de setembro, ao divulgar a Nota Verde, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) surpreendeu os consumidores. A Nota Verde, criada pelo Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve/IBAMA), avalia as emissões de três gases veiculares poluentes e nocivos à saúde humana: monóxido de carbono, hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio. A surpresa veio da constatação de que, de acordo com essa avaliação, os carros movidos a etanol — o álcool combustível — são mais poluentes do que os movidos a gasolina. Essa revelação desmente a idéia de que o álcool, por ser feito a partir da cana-de-açúcar, uma matéria-prima renovável, era um combustível mais limpo do que a gasolina, originada do petróleo.

Para chegar aos resultados apresentados, foram feitas 250 avaliações de veículos leves produzidos no Brasil em 2008. Os carros com motor flex passaram por duas avaliações diferentes, uma para gasolina e outra para álcool.

Dessas análises resultaram duas classificações: a Nota Verde e o Indicador de CO2, também chamado de Nota CO2. Essa separação causou a primeira polêmica. O cálculo da Nota Verde, feito para os dois combustíveis, envolve a média das emissões do monóxido de carbono, hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio. Ela varia em uma escala de 0 a 10 — quanto maior a nota de um carro, menor seu índice de emissão desses poluentes. Já o Indicador de CO2 foi aplicado apenas aos motores funcionando com gasolina. O CO2 é o principal gás de efeito estufa, e o aumento de concentração desses gases na atmosfera tem levado ao aquecimento global, o que está provocando perigosas mudanças climáticas perigosas ao planeta com consequências negativas a todos os seres vivos.

O Indicador de CO2 foi aplicado apenas aos carros a gasolina por este ser um combustível fóssil e não-renovável. O álcool, apesar de também emitir CO2 quando queimado nos motores, tem um ciclo de produção considerado limpo, pois o CO2 é absorvido pelas plantações de cana-de-açúcar.

No entanto, ao levar em conta apenas a Nota Verde, sem considerar a Nota CO2, quem consulta a lista não se dá conta da maior vantagem que do álcool tem em relação à gasolina: o fato de ser um combustível renovável e de praticamente não contribuir para o aquecimento global.

A impressão que fica, das notas dadas aos modelos avaliados é a de que um carro a gasolina é a melhor escolha para quem está disposto a comprar um automóvel que provoque o menor impacto ambiental possível. Tanto que, no dia 16 de setembro, uma chamada de capa no jornal Folha de S. Paulo dizia a respeito da Nota Verde: “Veículos a álcool estão entre os mais poluidores”. E no jornal O Estado de S. Paulo, o título da reportagem era “Carro a álcool polui tanto quanto os movidos a gasolina”.

Consumidores não sabem como escolher
Diante dessas informações os consumidores continuam com muitas interrogações. Qual é, afinal, a melhor escolha para quem decide comprar um automóvel? E, se comprar um carro com motor flex, com qual combustível deve abastecê-lo?

“Para ser sincero, hoje eu continuaria comprando o álcool por ser mais barato, mesmo que me falassem que ele polui mais”, afirma Newman Costa Pedro, que possui um veículo com motor flex. Ele diz que sua decisão é baseada no fato de ter deixado de confiar nas informações veiculadas e, “no meio de tudo isso, o único dado certo é o preço”. O editor de imagem Sérgio Moreno também usa um carro flex e tem optado pelo álcool, mas deixa claro que não é o preço que determina sua escolha. “Pagaria um pouco mais por um carro ou combustível que poluísse menos, mas neste momento estou surpreso e desorientado diante da possibilidade do álcool poluir mais que a gasolina”, revela.

De acordo com o IBAMA, órgão ao qual o Proconve está subordinado, a melhor opção continua sendo o carro a álcool. Em reportagem publicada no site do IBAMA, a recomendação ao consumidor “é optar pelo carro a álcool e escolher, entre eles, o que emite menos poluentes”.

Para Marcos Pó, assessor técnico do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), falta ao consumidor um instrumento lhe permita fazer sua escolha, pois “essa discussão tem sido atrapalhada”. Entretanto, ele vê pontos positivos na iniciativa do MMA em divulgar uma avaliação de emissão dos poluentes pelos automóveis. “É um passo que não tem volta. Mas, o essencial é que esse tipo de informação esteja disponível de forma clara não apenas na internet, mas também no momento e lugar em que a compra é feita”, recomenda.

Sem informações
O Idec divulgou recentemente uma pesquisa que demonstra a falta de informações disponíveis para quem decide comprar um automóvel. A pesquisa analisou informações sobre a eficiência no consumo de combustível, as emissões de gases poluentes e as emissões de gases de efeito estufa. Foram investigados todos os canais de informação disponíveis ao consumidor, como o manual do proprietário, as informações dadas pelas concessionárias e contidas nos sites das montadoras presentes no Brasil. O resultado, que pode ser visto aqui, mostrou que praticamente não há nenhuma informação sobre consumo e emissão de poluentes à disposição dos consumidores brasileiros.

Para Renato Romio, professor de engenharia mecânica do Instituto Mauá, o único instrumento que pode ser considerado eficiente e simples para ajudar o consumidor fazer uma escolha consciente na hora de comprar o carro é o Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV). Coordenado pelo Inmetro, o PBEV permite comparações entre as características de eficiência energética de diferentes modelos de automóveis no mercado brasileiro. “Dentro dessa lógica, em geral, os carros que consomem mais combustível poluem mais”, garante Romio. Entretanto, a pesquisa do Idec mostra que essa informação ainda está muito aquém do necessário. Como a adesão ao selo é voluntária por parte dos fabricantes, somente cinco montadoras participam do programa. Das 167 versões de automóveis à venda no mercado brasileiro, apenas 29 versões têm a etiqueta do PBEV.

Metodologia em debate
A segunda polêmica provocada pela Nota Verde foi a metodologia usada pelo MMA, questionada por vários especialistas. Eles afirmam que, mesmo considerada somente a emissão de poluentes, o álcool leva vantagem em relação à gasolina.

Em debate promovido pela TV Estadão, Alfred Szwarc, consultor de emissões e tecnologias da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), apontou que a iniciativa do MMA foi “mal estruturada e causadora da desinformação, pois a metodologia usada na análise foi equivocada”. Segundo Szwarc “foi feito apenas um teste por veículo e com motores não amaciados [novos], o que faz diferença na queima de combustível”.

Renato Romio alerta que “há uma desvantagem em termos de eficiência na queima do combustível pelo motor a álcool durante a fase fria do motor [nos primeiros quilômetros após o motor ligado], mas essa diferença é compensada quando o motor aquece. É preciso ver se itens como esses foram considerados”.

Francisco Nigro, professor de Engenharia Automotiva na Escola Politécnica da USP e pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), também participou do debate na TV Estadão. Ele não aprova a metodologia usada na Nota Verde, afirmando que muitos dados não considerados nessa avaliação poderiam influenciar no resultado apresentado. “A rigor, o álcool ainda é melhor que a gasolina se forem considerados todas as variantes”, afirmou Nigro.

Após receber críticas de especialistas e entidades ligadas às montadoras e à produção do etanol, o Ministério do Meio Ambiente divulgou nota informando que decidiu “rever” e “aprimorar” a forma de divulgação dos dados. Até 4 de novembro, um Grupo de Trabalho — agora com integrantes do Ibama, da Unica e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) — apresentará seus resultados de forma a “aprimorar e tornar mais clara a informação a ser prestada aos consumidores de veículos e visando estimular o consumo consciente”.

O professor de engenharia mecânica da Unicamp e diretor do Instituto de Energia e Meio Ambiente, André Ferreira, considera que, apesar da polêmica, esse debate sobre a Nota Verde ajuda a sociedade a entender que não existe combustível nem energia limpa, já que todos causam algum tipo de dano. “E essa discussão permite revelar à sociedade que não basta adotar o combustível que polui menos, é preciso continuar a melhorar sua performance”, afirma Ferreira. Segundo ele, o álcool sempre foi um combustível melhor do que a gasolina, e tem potencial para melhorar ainda mais. Mas, enquanto os motores a gasolina evoluíram muito nos últimos trinta anos, os motores a álcool ficaram para trás. Por outro lado, qualquer que seja o tipo de combustível para os automóveis, Ferreira também alerta que o debate deve ir além: “é preciso procurar outras alternativas de mobilidade urbana”.

O Instituto Akatu lançou recentemente a cartilha Uso Consciente do Transporte. Veja abaixo algumas dicas:

Menos trânsito? Mais gente no carro
A maioria dos carros que roda nas capitais brasileiras leva apenas um passageiro e ocupa muito espaço público. Organize um esquema de carona solidária. Use os sites e softwares já existentes que ajudam a implantar esta alternativa de transporte.

Menos tempo desperdiçado? Mais transporte coletivo
A gente perde muito tempo se deslocando de um lugar para outro e nem percebe que existem alternativas de transporte para o nosso dia-a-dia. Deixe o carro perto de alguma estação de metrô no seu caminho e siga em frente com o metrô e outro transporte coletivo. Talvez exija um pouco mais de esforço, mas vale a pena para reduzir o tempo desperdiçado no trânsito.

Menos poluição? Mais tecnologias mais limpas
A má qualidade do ar nas principais capitais do país provoca a morte prematura de 11,6 mil pessoas por ano. Pressione as empresas fabricantes de automóveis e de combustíveis para usarem tecnologias mais limpas já disponíveis e que reduziriam a poluição e melhorariam a saúde de todos. E pressione também os governos para que eles também demandem estas soluções das empresas.

Menos stress? Mais uso da bicicleta
Se você tem receio de andar de bicicleta na cidade, poderia pensar em trocar o carro pela bicicleta pelo menos aos fins de semana. Aos sábados, domingos e feriados asruas estão mais tranqüilas e dá para fazer pequenos trajetos e passeios pedalando. E, de quebra, você ainda vai manter a forma, fazendo exercícios de forma divertida e prazerosa.

Menos congestionamento? Mais horário flexível
Na hora do “rush” em São Paulo, a velocidade média dos veículos é de 9,7 km/h, apenas um pouco mais rápido que os pedestres, que andam a 5 km/h. Sugira um novo escalonamento do horário de entrada e saída no seu local de trabalho que fuja dos horários de pico de trânsito. Proponha também que, em algumas funções, os profissionais trabalhem em casa, reduzindo a necessidade de transporte.

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