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31.12.10 às 10:12

Consumo consciente e publicidade. Aliados ou inimigos?

Transformação na relação entre empresa e cliente exige nova abordagem do mercado publicitário
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A importância do consumo como instrumento de cidadania cresce a cada dia ao mesmo tempo em que o mundo empresarial evolui rumo a um maior envolvimento social. Esse novo cenário vai de encontro à necessidade também crescente de exposição das companhias. Enquanto há pouco mais de uma década as organizações eram basicamente conhecidas por seus produtos, atualmente consumidores com muito mais acesso à informação têm novos canais para cobrar atitudes das empresas que eles escolhem para consumir bens ou serviços.

Fazem isso de maneira severa: se estiverem satisfeitos, tornam-se fiéis; do contrário, são capazes de destruir ou ao menos arranhar seriamente a imagem de uma corporação e, conseqüentemente, seus lucros. “O processo de conscientização do consumo afeta a forma de se comunicar”, declara Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, organização não governamental que defende e divulga o consumo consciente.

Diante de produtos cada vez mais parecidos tecnicamente, itens como qualidade, preço e bom atendimento são vistos atualmente como imprescindíveis. Não são mais suficientes como chamariz para o consumidor. “Até mesmo a preocupação ambiental já está se tornando um pressuposto”, acrescenta Mattar. Oferecer um diferencial e manter a boa imagem requer agora ações que toquem o público com um “algo a mais”.

Para ele, a consistência desse avanço decorre também do fato de que boa parte dessa cobrança por uma postura socialmente responsável das empresas chega ao público através das denúncias, daí a importância da atuação da mídia. Nesse sentido, Mattar destaca ainda o papel da Internet, com impacto muito grande sobre a sensibilidade do consumidor e com efeitos alastradores mundialmente.

Na esteira dessa transformação no consumo, o mercado publicitário também se modifica. Para o presidente da Guimarães Profissionais, Ricardo Guimarães, é natural que a propaganda e o marketing sejam uma decorrência do que acontece no mercado em geral. “Há um amadurecimento da visão de negócios. A exposição das empresas hoje é muito maior, o que, conseqüentemente, exibe mais seus erros”, diz.

Segundo Helio Mattar, ganha força a necessidade de a empresa mostrar sua identidade para receber aprovação em todos os níveis, dos agentes de mercado que a pressionam: consumidores, investidores, mídia, governo e líderes de opinião. Ele explica que a responsabilidade social permite alcançar esse resultado, porque ela ultrapassa o marketing. Para o presidente do Instituto Akatu, o marketing é necessário, mas, sozinho, é insuficiente. Com ele, a empresa mostra que muda por meio de ações localizadas; com a responsabilidade social, porém, ela absorve essa realidade e passa a ser suas próprias ações. “Uma proposta não reflete a identidade da empresa, a outra sim”, compara.

A diretora de planejamento da F/Nazca S&S, Cecília Novaes, acrescenta ainda que, como o desenvolvimento desse tipo de trabalho abrange a esfera emocional do consumidor, ele requer um conhecimento profundo da filosofia dessa empresa-cliente.

Credibilidade e valores

Seguindo esse contexto, têm se destacado as ações de organizações como Natura, Banco Real, Brasil Telecom, HP, Nestlé, Ford, Bank Boston, Unibanco, entre outras. Ricardo Guimarães, cuja agência é responsável pela conta da Natura e de parte do Banco Real, reforça que sua empresa sempre se identificou com essa direção que o mercado está tomando, um dos principais motivos pelos quais a Guimarães não cresce tão rapidamente quanto suas concorrentes. Ele diz que a agência não recusa, mas também não se esforça para ganhar contas sem um princípio ético. “É sem dúvida muito gratificante trabalhar assim. Não saberia fazer diferente. Todas as relações de trabalho são melhores”, afirma.

Guimarães acrescenta ainda que o caminho da responsabilidade social poderá permitir à publicidade e ao marketing resgatar a credibilidade e os valores perdidos. Segundo ele, do ponto de vista cultural, hoje o fato de o público dizer que “ah, isso é tudo propaganda” mostra claramente que essa ferramenta de marketing é associada a informações distorcidas, não verdadeiras.

Por isso, ele destaca que o fator mais importante nessa tendência são a transparência e a veracidade, imprescindíveis para chegar aos resultados. Empresas que tentarem mostrar uma boa imagem não equivalente à realidade correm risco iminente de perder tudo. O recente caso da gigante norte-americana do setor elétrico Enron é um dos melhores exemplos, conforme Guimarães lembra.

O coordenador da célula de marketing da Fundação Dom Cabral, Mauro Calixta, acrescenta que esse cenário não permite contradições entre posição e ação, tanto por parte da empresa quanto por parte do consumidor. E, da mesma forma, por parte das agências de publicidade: “Elas não podem ser coniventes com a divulgação de um projeto de uma empresa que queira apenas tapar o sol com a peneira”, afirma Cecília Novaes.

O próximo passo nessa evolução do mercado será o público passar a “premiar” com maior ênfase as empresas que o satisfaz. Neste contexto, Helio Mattar acrescenta que o consumidor responsável também está disposto a avaliar e aceitar ou não os erros de uma empresa se ela se mostrar uma organização que realmente busca o aperfeiçoamento contínuo. A era da Responsabilidade Social, que surge numa evolução da era do Direito do Consumidor, valoriza mais a organização que está sempre se aprimorando do que aquela que simplesmente quer oferecer um produto perfeito, compara Mattar.

“Consumo e cidadania estão estreitamente relacionados. Ou seja: nas sociedades de mercado a luta pela cidadania passa também pelo acesso à condição de consumidor. E de um consumidor respeitado em seus direitos”, completa Armando Strozenberg, sócio da Contemporânea e presidente da Associação Brasileira da Propaganda (ABP).

Segundo Mattar, esta nova era do consumo implica também mudança do público em relação à sua visão das marcas. “Há, ao mesmo tempo, uma nova exigência, mas também uma nova tolerância. Se houver só punição por parte do público, a empresa tende a se manter limitada aos produtos e esquece das relações”, pondera.

Mesmo assim, ainda que a evolução seja crescente e aponte para um nível de conscientização cada vez maior dos consumidores, os especialistas ponderam que nas classes sociais mais baixas, especialmente nos países emergentes, isso está longe de ser realidade. “Para esse público, o preço baixo ainda continua a ser decisivo no momento da compra e nem haveria como ser diferente”, afirma Helio Mattar.

Mauro Calixta acrescenta ainda que o público tende a se mostrar mais consciente à medida que os jovens começarem a ingressar no mercado de trabalho e ampliarem seu poder de consumo. Segundo ele, a nova geração está mais preparada e informada para ser responsável como consumidora e o movimento irá se fortalecer.

Projetos do Akatu visam dar maior visibilidade às empresas

Criado no dia 15 de março de 2001 – Dia Mundial do Consumidor -, o Instituto Akatu pelo Consumo Consciente defende que quem consome racionalmente tem poder para transformar o mundo. Em seu cotidiano, esse cidadão escolhe produtos e serviços de maneira informada e seletiva, considerando os impactos de sua decisão sobre a sociedade e o meio ambiente.

O Akatu define que “o consumo consciente é aquele que satisfaz as necessidades individuais sem perder de vista a preservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento humano”. É uma organização não-governamental sem fins lucrativos ligada ao Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Sua missão é “informar, sensibilizar, instrumentar e mobilizar, animando uma comunidade de cidadãos para tornar viável o consumo consciente”.

Para alcançar esses resultados, o instituto divulga suas idéias pelo endereço eletrônico www.akatu.net e por meio de programas como o Sou Mais Nós, que inclui uma cartilha com sugestões de ações de consumo consciente que podem ser colocadas em prática com facilidade e têm grande impacto sobre o meio ambiente e a sociedade. Dentre essas atitudes estão o incentivo à economia de água, luz e alimentos, a reciclagem de lixo e o melhor aproveitamento de embalagens e papel.

Além disso, a organização já tem projetos futuros para fazer uma pesquisa sobre o comportamento do consumidor brasileiro. Outro plano a ser adotado em breve é o desenvolvimento de ferramentas para avaliar as empresas e entidades sociais nacionais.

Esse levantamento, segundo o presidente do instituto, Helio Mattar, vai permitir dar maior visibilidade às companhias socialmente responsáveis. Pelo site do Akatu, por exemplo, o consumidor poderá comparar o desempenho das 500 maiores organizações do País e dar sua nota para cada uma delas. Mattar explica que outra opção em estudo pelo instituto é a possibilidade de criar um selo para certificar as empresas com melhor desempenho em uma série de itens em que serão avaliadas.

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