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31.12.10 às 6:48

Consciência do consumidor é chave para preservar a Amazônia, diz especialista

Tarcísio Feitosa da Silva, ganhador do prêmio ambiental mais importante do mundo, diz que floresta vale mais em pé do que no chão
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A acerola é ótima para prevenir gripes e resfriados, mas nada se comparada ao camu-camu, cuja concentração de vitamina C é 80% maior. Com o bacuri, fruta de aroma e sabor únicos, se fazem cremes, geléias e musses maravilhosos. Já o uxi-amarelo, tido como milagroso, é usado em tratamento de miomas (tumores benignos) e – diz a lenda – teria até propriedades afrodisíacas. Você pode nunca ter ouvido falar dessas frutas, mas elas fazem parte da riqueza da Amazônia brasileira, um dos biomas de maior biodiversidade do planeta e cada vez mais ameaçado pelo extrativismo ilegal da madeira, pela pecuária e pela monocultura de soja. “Não esqueça as hidrelétricas”, acrescenta Tarcísio Feitosa da Silva, 35 anos de idade e mais de vinte de ativismo em defesa da floresta – palco de suas brincadeiras de infância e objeto de sua missão de vida.

“Ele é provavelmente a pessoa mais importante da qual você nunca ouviu falar antes”. Assim Tarcísio foi apresentado na cerimônia em que recebeu o prêmio Goldman de Meio Ambiente 2006 para as Américas do Sul e Central, há menos de dois meses, em São Francisco-EUA. Dessa forma, o paraense de Altamira (uma hora de avião de Belém) se tornou – ao lado de outras cinco pessoas de todo o mundo – uma das personalidades mais importantes da causa ambientalista no planeta.

Esse filho de seringueira com catador de caranguejo é o líder do movimento que levou à criação de um mosaico de unidades de conservação na região do Xingu, numa área total de cerca de 240 mil quilômetros quadrados – quase duas vezes maior que a da Inglaterra. O ambientalista não se ilude com a criação da área de proteção ambiental, porém. Para ele, a única solução para o problema da devastação da Amazônia é a mudança da lógica econômica da região, na qual a mata em pé valha mais do que no chão; e onde o consumidor tem um papel central de fiscalizador – se informando sobre a origem dos produtos florestais que consome. Hoje, segundo Tarcísio, “o consumidor está pagando a destruição da Amazônia”.

Veja abaixo a entrevista que Tarcísio concedeu ao Instituto Akatu:

Akatu– Por que a conservação da Amazônia é importante mesmo para pessoas que nunca foram ou irão à região?
Tarcísio – Por causa da biodiversidade da floresta e do controle climático. Não só a Amazônia, mas todas as florestas tropicais do mundo têm a função de contribuir para a captura do carbono. As alterações climáticas e o aquecimento global são agravados, hoje, pela devastação da Amazônia para cultivar soja, extrair madeira e criar gado. Ao comer  um hamburguer você pode estar pagando para a derrubada da mata.

Akatu– Você nasceu e viveu sempre na Amazônia. O que a floresta representa para você? Quais as riquezas da Amazônia?
Tarcísio – A floresta é uma descoberta sem fim. Não podemos detruí-la sem antes conhecê-la. A riqueza da Amazônia está por exemplo nas suas plantas, como o bacuri, o uxi, o camu-camu, que tem 80% a mais de vitamina C do que a acerola. Agora é que o mundo está abrindo os olhos para essa riqueza. O desafio é explorá-la de um modo sustentável.

Akatu– Você liderou um movimento que levou à criação da maior área de foresta protegida do mundo. Como garantir que essa área será realmente conservada?
Tarcísio – Essa conquista é do Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica. Nosso dia-a-dia aqui é combater a grilagem de terras públicas e as grandes fazendas de gado, abertas  por gente de fora que vem pra cá, derruba a mata, cerca uma área e cria pastagens. O Ministério do Meio Ambiente e o Ibama têm que desocupar essas áreas já, sem indenização alguma, pois são terras do Estado.

Akatu– É possivel haver um desenvolvimento sustentável da Amazônia? O que falta para isso?
Tarcísio – Faltam projetos de desenvolvimento da Amazônia que considerem a floresta como base fundamental da economia, um sistema econômico que valorize os projetos com as comunidades locais, um modelo no qual a floresta valha mais em pé do que no chão. O governo precisa acordar logo para essa necessidade.

Akatu– Três das principais ameaças à Amazônia hoje – o extrativismo ilegal, a monocultura de  soja e a expansão da pecuária – são feitas para abastecer os mercados interno e externo com madeira, ração e carne. Como você vê o papel do consumidor nesse processo?
Tarcísio – O consumidor precisa ter mais consciência. Ele tem que se informar sobre a origem do que está consumindo. Do jeito que está hoje, o consumidor está pagando a destruição da Amazônia. Essa é a realidade. Enquanto a derrubada da madeira for a base do desenvolvimento, nós seremos sempre uma “subeconomia”. Desde a dona-de-casa até o empresário, tem que haver essa vontade de conservar a Amazônia. Para que isso aconteça, devemos estudar mais a floresta, ter o conhecimento da riqueza da Amazônia. Temos que fazer mais projetos como o Geoma (Geoprocessamento da Região Amazônica, uma rede temática de pesquisa em modelagem ambiental da Amazônia).

Akatu– Entre as suas atividades nestes 20 anos de trabalho, esteve a demarcação de terras indígenas. Como os índios e as comunidades ribeirinhas convivem com a floresta de forma sustentável?
Tarcísio – Os povos da Amazônia desenvolveram teconologias e hábitos de boa convivência com a floresta. O ribeirinho, por exemplo, sabe qual lugar tem peixe pra comer e como ele deve buscar o alimento para que ele não se esgote. Há conhecimento também em relação às plantas medicinais, isto é, há uma verdadeira ciência de convivência com a floresta. Os indios vão muito mais longe ainda nessa relação com a floresta. Os Kayapó (grupo indígena que vive no sul do Pará e norte do Mato Grosso e que foi estimado em cerca de 7 mil indivíduos em 2003, pelo IBGE) têm a Festa do Jabuti, um importante rito de iniciação deles. Se a floresta desparece, a cultura deles acaba também.

Akatu– O que você acha da idéia de alguns países de transformar a Amazônia numa área sob controle internacional?
Tarcísio – A Amazônia já está internacionalizada há muito tempo. Há diversos grandes grupos industriais que dominam a economia regional. Nós precisamos é fazer o inverso: nacionalizar a Amazônia, criar mais unidades de conservação, assentamentos para reforma agrária, explorar a floresta de um modo que beneficie as população da região.

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