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29.12.10 às 6:05

Como anda a emergência do Capitalismo Ético no Brasil?

A economia se conecta cada vez mais com condicionalidades sociais e ambientais, por Samyra Crespo
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Em artigo recente, publicado na Revista Adiante, exploramos a idéia de que o socioambientalismo – identidade requerida pelo movimento que junta militantes sociais, ambientalistas e empresários éticos, não podia ser considerado anticapitalista. Ao contrário, argumentamos, o movimento predominante no campo da sustentabilidade, isto é o mainstream, mostra um vigoroso fascínio pela idéia de que o mercado — portanto os mecanismos econômicos —  podem contribuir com maior rapidez, escala e eficiência para que as sociedades de um modo geral, e brasileira dentro deste conjunto, possam dar as respostas que exigem os atuais desafios de ordem global. Estamos falando da pobreza e estamos falando dos problemas ambientais. Estamos falando de frear o desmatamento da Amazônia e demais biomas ameaçados, estamos falando de regular estoques marinhos, estamos falando de aquecimento global, das cidades e dos consumidores. Estamos falando de negócios, mas negócios sustentáveis.

A este fenômeno, isto é, crença nos mecanismos de mercado e na consistência de uma mentalidade empresarial de novo tipo, social e ambientalmente responsável, estamos chamando de capitalismo ético.

E o nosso desafio aqui é falar desse bicho ainda não totalmente descrito seja na sua aparência ou ecologia. E relacioná-lo com as tendências que marcam o campo do ambientalismo no Brasil na atualidade.

Comecemos com uma provocação: O que mais assusta uma empresa hoje em dia, uma queda no ranking  Dow Jones e/ou BOVESPA ou  uma organização ambientalista botando a boca no trombone?

Aos leitores mais atentos fica claro que a pergunta não procede, pois a denúncia da organização ambientalista – ou de qualquer outra que age contra o trabalho escravo ou infantil, por exemplo – vai resultar em uma perda de imagem, em algum tipo de inquérito, multa, etc. Se a denúncia for procedente, a repercussão na bolsa e no mercado é imediata. Por quê?

Porque a tradução dos negócios em uma economia que se conecta cada vez mais com condicionalidades sociais e ambientais é fisiologia da economia/negócios sustentáveis. E a existência dessas condicionalidades é a alma do capitalismo ético.

Falemos dele sem muitos dedos. Já falamos de sua gênese no outro artigo, e de que a sua emergência se deve ao legado da RIO-92, e à geração de empresários envolvida nas reuniões de cúpula da ONU na década de 90. O ponto culminante desse movimento foi a Assembléia do Milênio (ONU, NY, 2000) e o famoso documento “Metas do Milênio”.

Ora, poderão dizer os céticos, os documentos, principalmente falando de ONU, são gerados aos borbotões. Mas, onde estão os fatos?

Os fatos são vários e animadores, mas ante de nos determos neles, desejamos fornecer algumas chaves de interpretação.

O “ambientalismo de mercado” é apenas uma das vertentes do capitalismo ético. A “responsabilidade social”, que no Brasil é acrescida da “ambiental”,  é outra. A terceira vertente é traduzida na “economia solidária”. A quarta, bem mais fluida, como é o mundo das idéias e dos espíritos, é trazida pela ecologia profunda, onde razões mais essencialistas mobilizam empresários, ambientalistas, líderes de um amplo leque de movimentos pelo bem-estar, pela saúde, pela paz.

Os americanos, baseados em uma literatura sociológica cada vez mais abundante, acreditam que o ambientalismo que emergiu nos anos 80’ obteve um resultado incrivelmente positivo e base do capitalismo ético: ele conseguiu limpar a produção e fazer “a modernização ecológica” da economia.

A melhoria da performance ambiental e social das empresas ocorrida nos últimos 25 anos, principalmente na cadeia das empresas globais de maior impacto (petróleo, químicos, mineração, celulose, etc.) é extraordinária, embora seus passivos também sejam monstruosos.

Evidentemente, não estamos falando que todas as empresas limparam a sua produção ou aderiram a tecnologias mais brandas. Mas no mundo dos negócios, sabe-se que essa é uma tendência inexorável, e quem assim não proceder, estará morto em poucos anos.

Naturalmente, a modernização ecológica da economia se deu a partir do efeito catalisador – e civilizatório – de um movimento social combativo, antecipador, como foi o ambientalismo com as respostas das políticas públicas e dos estados nacionais.

Mas o capitalismo ético é mais do que uma boa política ou boa prática de “comando e controle”, ele é auto-consciência, ele é transformação de relações sociais, ele é a possibilidade de novas configurações econômicas, de uma nova economia. É a possibilidade concreta de fazer desenvolvimento sustentável.

Assim, além de modernizar filtros de fazer programas de eficiência energética, as empresas éticas, começaram a mexer nas relações com clientes (direitos do consumidor, atendimento às suas expectativas virtuosas), com fornecedores (comprar a um bom preço, mas produtos e insumos produzidos corretamente), com sua cultura interna (como anda a questão de gênero, e de promoção de justiça dentro da empresa?).

Assim, uma série de procedimentos, atestados por certificações específicas estão dentro do escopo do que se chama RSE (responsabilidade social-empresarial). A chamada série ISO atesta esse esforço e o crescimento no número de certificações e de índices de sustentabilidade também. Para que deseja fatos, é só verificar a criação de departamentos de RSE nas principais empresas brasileiras bem como correspondentes nas principais associações de classe empresarial. Estamos falando de movimento, de mudança de cultura.

Mas nem só de empresas e empresários, vive o capitalismo ético. Há um papel importante aí desempenhado pela sociedade e por suas organizações. Há o protagonismo dos movimentos pró-sustentabilidade e há os consumidores, que não são só massa ignara e nem só massa.

Assim, completa o nosso tripé, as milhares de organizações não-governamentais, associações livres e cooperativas que fazem sua produção – mitigando a pobreza – que estão “levando ao mercado”, centenas de produtos entre artesanato, vestuário, alimentos, movelaria, jóias, insumos, etc. que poderíamos classificar como “negócios sociais” ou eco-negócios.

São os pequeninos acreditando na força do mercado, tentando “arranjos produtivos locais”, procurando acesso ao mercado, no seio de milhares de incubadoras de pequenas empresas, de cooperativas de assentados. São mulheres fazendo moda e costurando sonhos em dezenas de favelas e áreas pobres do país. Aqui, na Índia, na África.

O capitalismo ético supõe um mercado ético, consumidores mais conscientes e um modo diferente de vender e comprar.

Por isso,  trata-se de mercado emergente. De negócios cuja modelagem se faz ao sabor dos dias, das experiências mal e bem-sucedidas. Cada vez mais bem-sucedidas.

Mas são iniciativas cada vez mais amparadas por mecanismos de mercado para valer: créditos nos principais bancos do país (e nem falamos ainda da Carta do Equador, mecanismo de adesão voluntária de bancos aos princípios do desenvolvimento sustentável); novas tecnologias; possibilidades de exportação; espaço em revistas/periódicos como Exame, valor Econômico e cadernos de economia nos principais jornais.

Recicláveis? Orgânicos? Créditos de carbono? Ativos de biodiversidade para a indústria química (fármacos, cosmética, higiene?) Viraram negócio para valer.

Em resumo, a emergência do capitalismo ético, baseado em uma das suas fortes vertentes — o ambientalismo de mercado, são irmãos siameses. Cada vez mais animados com as possibilidades que se abriram nos últimos anos. Esta é uma evidência inconteste por mim verificada na pesquisa “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável”, que venho mencionado na série de artigos aqui publicada.

Há um otimismo no ar, só atenuado pela preocupação alarmista, mas real, de que o aquecimento global, talvez nos exija mais do que respostas capitalistas. Mas essa é uma outra história.

Samyra Crespo é Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo e Pesquisadora Senior do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast/MCT). Coordena, desde 1993, o Programa de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Instituto de Estudos da Religião (ISER), organização não-governamental sediada no Rio de Janeiro. É também vice-presidente e uma das fundadoras da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits) e faz parte do Conselho Consultivo do Instituto Akatu.

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