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31.08.11 às 16:58

A fervura da sustentabilidade

Cada nova pessoa que toma consciência da importância da sustentabilidade, ou que renova suas esperanças nela, a temperatura aumenta
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Comentário Akatu: Para que a sustentabilidade saia do campo da utopia e seja, cada vez mais, uma realidade consubstanciada nas ações das pessoas, é preciso que o tema seja apropriado, por meio de informação e diálogo, pelas pessoas em geral, levando à percepção do enorme poder transformador contido nos seus atos cotidianos de consumo. Ao ser praticada em atos diários concretos, a sustentabilidade toca diretamente na realidade da vida das pessoas, e, com isso, pode ser melhor compreendida e ter maior possibilidade de mobilizar outras pessoas, criando um grupo cada vez maior voltado a contribuir para a sustentabilidade. Passar de consumidor comum a consumidor consciente obedece a essa lógica. Por exemplo, quando escolhemos comprar a quantidade de alimentos apenas suficiente para um determinado período, de forma a garantir que não haverá qualquer desperdício, nós estamos concretamente trabalhando a favor da sustentabilidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 1/3 dos alimentos produzidos por ano no mundo é desperdiçado. Anualmente, uma família média brasileira joga 255,5 kg de comida no lixo. Se poupasse o valor do alimento jogado fora, a mesma família acumularia mais de R$ 800 mil ao longo da vida!  Milhares de pequenas ações de consumo consciente, multiplicadas ao longo do tempo, tem como resultado uma grande contribuição à sustentabilidade, além de, por outro lado, incentivar outras pessoas a agirem da mesma forma, levando a mitigar os problemas e a possibilitar caminhos mais sustentáveis.

 

Vivemos novos tempos, novos desafios, em que somos convocados a ser agentes ativos no processo da mudança para a sustentabilidade. Entre estes desafios está o de ter e manter a chama acesa da esperança.

Veja por exemplo o processo que ocorre quando colocamos uma água para ferver. O aquecimento começa gradual até que a fervura apareça ao atingir os 100 graus Celsius. A fervura é apenas a parte visível de um processo que passou antes por diversos outros graus de temperatura. Se colocarmos pouca água, ferve mais rápido, se for muita, o processo demora mais tempo.

A sustentabilidade é um processo com muita água, pois requer mais que apenas mudar tecnologias, requer mudar visões de mundo. Os mais pessimistas, podem achar que a temperatura subiu pouco, os mais otimistas, que já subiu muito. Mas sob qualquer ângulo que se olhe, ainda vai faltar muito para que a fervura se torne visível, embora já estejamos vendo alguns sinais numas bolhas aqui e ali. E aí, como acontece com a água, quando menos se espera a ebulição irrompe da superfície, quase instantaneamente, por todo o lugar.

O principal combustível da fervura é a esperança. É ela que nos dá a motivação para transformar sonhos em ações, paciência para persistir, mesmo quando os resultados ainda não são tão visíveis! A esperança se alimenta também de informação e do diálogo. Nos animamos quando descobrimos outros, como nós, que não desistiram de lutar, quando recebemos notícias sobre bons resultados e boas práticas no rumo da sustentabilidade. Mas também nos animam as más notícias, no sentido que nos tirar da inércia e lembrar o quanto a luta ainda é grande e somos necessários.

Precisamos reconhecer que a sustentabilidade ainda está mais no campo da utopia que da realidade, e que por isso precisamos exercitar a capacidade do diálogo e do entendimento, a fim de negociar, democraticamente, a sustentabilidade do possível, que talvez não seja a dos nossos sonhos, nem a dos sonhos do outro. A boa noticia é que o processo de mudança para a sustentabilidade já esta em andamento, a chama já está acessa nas milhares de pequenas ações, projetos, resultados, aquecendo essa fervura. Cada novo projeto que se inicia e que toma o rumo da sustentabilidade, cada nova pessoa que toma consciência da importância da sustentabilidade, ou que renova suas esperanças nela, a temperatura aumenta. Talvez não seja ainda para a nossa geração ver a fervura, mas sem nossas ações, sem nossos sonhos, o processo de mudança seria ainda mais lento.

O que pode enfraquecer a chama – e até mesmo apagá-la – são os corruptos, os folgados, os indiferentes, os cruéis, os mal-educados, os maus cidadãos, os maus políticos, os violentos, os gananciosos, os egoístas, os vigaristas. Eles já nos tiram tanto ao tornarem este mundo pior do que poderia ser que se não formos capazes de – enquanto nos defendemos deles -, conservarmos a esperança, o amor, a bondade em nós, então a sustentabilidade poderá ser apenas mais uma boa ideia que não deu certo. A pior perda que podemos sofrer não é a de um bem material, ou uma cicatriz no corpo físico, mas é quando deixamos de acreditar no próximo, no amor, que um mundo melhor seja possível, que mudar irá valer a pena, e aí o cinismo, a indiferença, a descrença, a falta de gentileza toma o lugar da esperança. E em momentos assim, corremos o risco de nos tornar como os maus, pois ao tentar nos proteger do mundo, proteger nossa vulnerabilidade, podemos construir muros em torno de nós em vez de pontes, muros de desencanto, ressentimento, amargura, culpa por não tentar.

As novas gerações que começam em cada criança que nasce e cresce sob nossas responsabilidades é uma espécie de grito de socorro da vida pelo nosso bom senso e comprometimento. As crianças confiam nos adultos, incondicionalmente, de que terão um futuro, e que este futuro deverá ser melhor, por que cobramos delas que sejam pessoas melhores. Falhar com nossas crianças não deveria ser uma opção válida para nós. Para cada mau adulto que pode estar irremediavelmente comprometido com a insustentabilidade e se contenta com desculpa e argumentos para não mudar e para deixar este mundo pior do que encontrou, adultos devem se levantar, responsáveis e comprometidos com a mudança para um mundo melhor, para estimular e envolver, sensibilizar e motivar as crianças, pois assim como precisam de nós para crescer saudáveis, precisamos delas para ter um futuro.

Esta nova geração de crianças e jovens em pouco tempo estará nos substituindo na gestão dos negócios, nos cargos públicos, onde farão escolhas, e é melhor que façam escolhas diferentes das que conduziram a humanidade à beira deste colapso que não é só ambiental, mas principalmente moral, ético e civilizatório.

Trata-se de um enorme desafio que muitos de nós já estão enfrentando, mas não é fácil, pois tudo à nossa volta conspira para que as novas gerações se tornem consumidores vorazes antes de se tornarem cidadãos conscientes. Não podemos permitir que os maus nos tirem a esperança, pois poderemos falhar na tarefa de educar filhos melhores para um mundo melhor. E se isso acontecer, deixaremos que os maus nos derrotem completamente.

 

Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.

 

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