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12.01.11 às 5:07

A ética nas relações empresariais brasileiras

A verdade é que a consciência ética das grandes organizações ainda não atingiu os relacionamentos dessas entidades com seus funcionários e fornecedores
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A ética, preocupação crescente dos seres humanos nesse início de século, se aplica a todas as relações humanas. Os princípios éticos se aplicam desde as relações desenvolvidas na família, na comunidade, na sociedade, na política, até aquelas que têm como uma das partes as organizações criadas pela humanidade, sejam elas instituições governamentais, sejam as privadas, destacando-se dentre essas últimas as empresas.

No setor privado o tema ganha particular importância nos relacionamentos mantidos pelas organizações empresariais, sejam eles internos, estabelecidos entre as empresas e seus administradores e empregados, sejam eles externos, dessas mesmas entidades com os seus clientes e fornecedores de bens e serviços, com os concorrentes, com os governos e com as coletividades.

A realidade é que internamente as empresas estimulam a competição desenfreada, a luta contínua pelo alcance e manutenção do poder, assim como pelo reconhecimento individualista. Visam com tais práticas obter os resultados econômicos desejados através do apelo aos instintos materialistas e egoístas dos seus profissionais (acumulação patrimonial, respeito social utilitarista, etc). A palavra de ordem nesse ambiente é a de “tudo pelo resultado”.

Muitas dessas organizações procuram aliviar as consciências dos seus administradores, mediante a promoção de ações tímidas, como dedicar um dia do mês para trabalhos comunitários e outras do gênero. Mas de que adianta estimular a solidariedade e o respeito aos necessitados em um único dia do mês, e estimular os profissionais a passar todos os outros dias tirando o maior proveito possível, mesmo quando injusto ou indevido, da sociedade como um todo? E mantê-los lutando pelo poder a qualquer custo, em um “canibalismo profissional” sem limites?

Uma primeira consequência da realidade aqui apontada é a criação de um ambiente de trabalho propício ao abuso de poder, refletido em atitudes desde a lealdade única ao chefe de plantão e aos resultados imediatos e não à empresa, passando pelo clima do “apoio-te se me apoiares”, até a submissão ao assédio sexual em todos os níveis, em relação a ambos os sexos. No caso do assédio sexual a imprensa tem noticiado o quanto a prática é “socialmente aceita”.

Já nos relacionamentos externos das empresas os deslizes éticos das grandes organizações atualmente costumam se refletir muito mais nos seus relacionamentos com os seus fornecedores do que com os seus clientes. Os clientes, principalmente aqueles pertencentes à iniciativa privada, quase sempre têm acesso a níveis “descontaminados” das grandes organizações que lhes são fornecedoras. E nesses níveis elevados podem, sem receio, apresentar as suas reclamações, sem se exporem a riscos de vinganças. O mesmo não acontece com os fornecedores, que quando têm os seus direitos legítimos violados, acabam sem um caminho válido para se defender, sob pena de serem excluídos do “privilegiado quadro de fornecedores qualificados”, na verdade um simples rol de “vítimas de executivos de carreira”.

São exemplos dessas violações éticas: informação ao fornecedor de quantidades irreais de potenciais fornecimentos, para levá-lo a fazer cotações mais baixas e com isso poder adquirir por um preço injusto quantidades menores do que aquelas que o proponente esperava fornecer; pretensão de obter do fornecedor o “custo zero” ao invés de lhe pagar o justo valor pelo seu produto ou serviço; negativa (ou postergação de apresentação) ao fornecedor de serviços remunerados com base em resultados, de dados e informações que possam levá-lo a calcular com precisão a sua parte no benefício; descumprimento de prazos de pagamentos, impondo perdas irrecuperáveis ao fornecedor, mediante a utilização da premissa antiética expressa na frase: “os incomodados que procurem outros clientes”; imposição ao fornecedor de interpretações dos fatos unilaterais, arbitrárias, incorretas, ilegítimas, injustas ou fraudulentas, favorecendo exclusivamente o cliente, com base na mesma premissa acima (teoria do “lobo e cordeiro”); prática de qualquer outro ardil contra o fornecedor, para levá-lo a tomar decisões que aparentemente beneficiam a ambas as partes, quando na verdade, ao final, beneficiarão apenas a empresa cliente.

Muitas organizações acreditam que as suas ouvidorias internas (as figuras dos “ombudsperson” cada vez mais comuns) solucionam esses problemas. Mas poucas dessas organizações preocupam-se em dar poder e informação aos seus ouvidores, para que eles realmente ajam com imparcialidade.

Na maioria dos casos essas ouvidorias sentem-se parte do “esforço pelo lucro imediato” não exercendo com isso suas verdadeiras funções. Sendo integrantes das equipes gerenciais, falta aos ocupantes dessas ouvidorias a imparcialidade para receber, investigar e apresentar recomendações isentas em cada caso concreto. Até porque os/as “ombudsperson” internos temem as represálias dos superiores hierárquicos e do próprio grupo. A solução talvez esteja em “terceirizar” as ouvidorias.

A verdade é que a consciência ética das grandes organizações, que já se expressa e se materializa de forma tão clara nos relacionamentos com os clientes, ainda não atingiu, entre outros, os relacionamentos dessas entidades com o seu pessoal e com os fornecedores.

Não se pode esquecer, entretanto, que as organizações são formadas por pessoas, logo, não são as empresas enquanto entidades abstratas que erram ou acertam, que agem com ética ou sem ética. São as ações dos profissionais que integram essas organizações que devem ser assim qualificadas.

Espera-se que o início dos novos tempos leve os profissionais que constituem e representam as empresas a uma mudança profunda, que leve tais entidades a finalmente ampliar a aplicação dos princípios éticos a todos os seus relacionamentos, e a ressalvar continuamente aos seus executivos que o único resultado que interessa aos seus controladores é aquele obtido com a ética absoluta, não apenas com a ética aplicável aos procedimentos de vendas.

Joaquim Manhães Moreira é advogado, autor do livro “ A ética empresarial no Brasil” e conselheiro do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

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