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10.06.15 às 11:21

O planeta azul: promessas para o futuro

O aumento populacional força a busca por atalhos que permitam satisfazer uma população que cresce. Mas, como evitar, nesse processo, o progressivo envenenamento do ar, do mar, do solo?                           Foto: Serra de São José. em Tiradentes (MG) – Crédito: Sônia Rigueira/Wikimedia Commons […]

O aumento populacional força a busca por atalhos que permitam satisfazer uma população que cresce. Mas, como evitar, nesse processo, o progressivo envenenamento do ar, do mar, do solo?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Serra de São José. em Tiradentes (MG) – Crédito: Sônia Rigueira/Wikimedia Commons

 

Neste novo milênio, entrevemos, com novos telescópios, o começo dos tempos nas extremidades do universo; com novos microscópios, penetramos na intimidade das menores bactérias e células; e com a eletrônica, guardamos, processamos e compartilhamos estas informações.

Já entre os políticos não se vê essa mesma evolução, pois continuam prometendo honestidade e abundância sem limites.

Em mais uma eleição britânica, em maio deste ano, os candidatos esgrimam com promessas de honestidade, de competência e – principalmente – de abundância, com pouca diferença em relação à eleição de 1834, dos escritos de Charles Dickens. Mudaram sim os meios de transporte e divulgação e, desde as décadas de 1970 e 80, aumentou muito a cornucópia de bens considerados nas promessas. Mas, a natureza das promessas não mudou.

Francis Bacon, três séculos atrás, propôs expandir o alcance do homem para além da Terra, ao propor que “nós devemos estabelecer e estender o poder e domínio da própria raça humana sobre o Universo”. Será que Bacon foi profético em sua proposta?

Humberto Eco levantou esta questão no seu livro “O Nome da Rosa”, quase 20 anos depois de Gagarin ver a Terra do espaço e onze anos depois de Armstrong pisar na lua. Ele imaginou uma cena em um Monastério, onde o monge Guilherme de Baskerville estava olhando as janelas da biblioteca pelo lado de fora do prédio. Ele tentava mapear, pelo lado externo, o labirinto dentro do prédio onde ele e seu discípulo haviam se perdido na noite anterior. Ao ver a tentativa do mestre, o discípulo mostrou surpresa, argumentando que o labirinto era invisível pelo lado de fora do prédio. O mestre replicou: “Assim Deus conhece o mundo, porque o concebeu em sua mente, como se estivesse de fora, antes que fosse criado, enquanto nós desconhecemos suas regras porque moramos dentro dele e o encontramos já pronto e feito.”

O livro, publicado em 1980, data de uma época em que começava a mudar a nossa percepção do mundo. A Terra foi vista do espaço, do lado de fora, e se revelava um planeta azul. No entanto, a sua ocupação pela raça humana não mudou e as eleições modernas apenas confirmam a visão de que, mesmo frente a enormes desastres naturais, o homem continua a seguir a profecia de Bacon continuando a buscar estabelecer e estender o poder e domínio da raça humana sobre o planeta.

Basta ver, na reeleição do Presidente Obama, quando apesar de um imenso desastre natural, decorrente da gigantesca tempestade que assolou New York uma semana antes da eleição, e da revelação do relatório Stern que mostrou que custaria muito menos mudar o quadro energético do que conviver com suas consequências climáticas, o discurso eleitoral se manteve.

A eleição brasileira de 2014 não foi diferente, pois nem clima nem meio ambiente foram assunto central. Da mesma forma como ocorreu na Inglaterra, onde, apesar da visibilidade dada por muitos anos aos resultados do relatório Stern, nada mudou na eleição de maio de 2015.

Domínio ou convívio ? Eis a questão. Como exemplo, a agricultura intensiva está baseada no domínio: as plantas não são alimentadas pelos microorganismos do solo, mas sim pelos produtos químicos aplicados. A produção aumenta a curto prazo, mas o solo deteriora, os alimentos ficam contaminados, e, gradualmente, a dependência dos produtos químicos aumenta. Já a prática agroecológica está baseada no convívio: cuida-se do solo em primeiro lugar, pois o solo saudável cuida das plantas e permite uma produção saudável, um pouco melhor a cada ano.

Assim é com o planeta. O aumento populacional força a busca por atalhos que permitam satisfazer uma população que cresce em número e nas suas demandas. Mas, como evitar, nesse processo, o progressivo envenenamento do ar, do mar, do solo? É preciso caminhar na direção do convívio, o que requer uma mudança nas práticas e nas regras, o que, por sua vez, exige das eleições uma nova postura em relação ao que diz respeito aos cuidados com a vida na Terra, promovendo a substituição do domínio pelo convívio.

Analisando historicamente, outras mudanças na visão sobre o mundo também demoraram para entrar no conhecimento geral. Isso foi verdade, por exemplo, quando Copernicus, no século XVI, propôs que a Terra não era o centro do Universo; ou quando Issac Newton fez sua descoberta notável de que as mesmas leis que controlavam os movimentos na Terra regiam também os seres celestiais; ou ainda com a revelação, por Darwin, de que os humanos descendiam dos macacos, o que levou a um grande escândalo, frente à ameaça, desconfortável para os mais bem sucedidos, de que talvez não fossem mais fortes por favorecimento de Deus.

Tampouco houve grande mudança em 1961, quando Yuri Gagarin viu a Terra do espaço e exclamou: “O planeta é azul ! É maravilhoso !”. A humanidade continuou vivendo na biosfera, em sua cápsula oxigenada, como se fosse uma cornucópia inesgotável de recursos, uma Nave Espacial a serviço de mais uma etapa de seu projeto de “domínio do Universo”.

Já quando Anthony Armstrong anunciou seu “great leap for mankind” (um grande passo para a humanidade) ao pisar na lua em 1969, o Planeta Azul começou a ter um outro significado, ao menos para alguns cientistas. Um dos cientistas contratados pela NASA, no início de sua investigação sobre a presença de vida em Marte, o Prof. James Lovelock, percebeu a diferença entre a Terra e os demais planetas. Apontou que nosso planeta era o único a mostrar, no seu espectro, gases reativos que, juntos, são emitidos e absorvidos em grandes quantidades, enquanto que a atmosfera dos demais planetas é neutra, saturada.
 

"Em Ages of Gaia" (Idades de Gaia), de 1988, Lovelock propõe uma nova visão para a vida na Terra, apontando que a presença da vida em um planeta é muito mais do que um acidente superficial: “Devemos olhar a Terra na nossa imaginação com outros olhos…. o canto incessante da vida pode ser detectado por qualquer um que esteja equipado com um receptor, até de fora do sistema solar. A vida de um planeta precisa estar apta para regular seu clima e sua composição química. A ocupação parcial de um planeta não seria suficiente para controlar as forças por detrás da sua evolução física e química.”

Por muito tempo, o próprio Lovelock achou difícil acreditar como era possível haver uma regulação das coisas vivas por elas mesmas em algo tão grande como um planeta, de forma a permitir a manutenção de condições favoráveis para a vida durante bilhões de anos. Mas, a realidade é que a vida se manteve enquanto aumentou em 30% o calor emitido pela estrela em torno da qual o planeta gira. Como isso é possível?

Em 1971, Lovelock começou sua frutífera colaboração com a microbiologista Lynn Margulis, que já vinha pesquisando os micro organismos que compõe a vida na Terra. Após quase 20 anos de pesquisas, publicaram suas descobertas em 1988. Como nas situações anteriores em que as percepções no mundo estavam fortemente enraizadas, demorou muito para o mundo se convencer de que o planeta é um sistema único, uma teia de vida que, através de micro organismos, funciona como um ecossistema para se manter vivo. A publicação em 1992 de seu livro definitivo, com o nome de Gaia, explicado em linguagem acessível e muito ilustrado, abriu campo para ainda mais perguntas e também para mais pesquisas que, hoje, confirmam e corroboram os conceitos da sua teoria.

Assim, ficou clara a necessidade da mudança do paradigma do domínio para o do convívio. O Planeta Azul é sustentado pela sua própria teia de vida, na qual todos os seres vivos dependem de todos os demais, inclusive a própria humanidade. Tudo o que nele vive faz parte integral dessa teia. Não há ser vivo separado. Tudo o que é vivo faz parte de um imenso ecossistema que se auto sustenta.

“Nós estamos, quase que literalmente, em um novo mundo, um lugar muito mais peculiar do que aquele de alguns séculos atrás, mais difícil de entender, sobre o qual é mais arriscado especular, e vivo de informação… Parece que não há apenas mais para ser aprendido, existe tudo para se aprender”, escreveu Lewis Thomas, no prefácio para “Idades de Gaia – uma biografia de nossa Terra viva”, de James Lovelock.

Querendo ou não, fazemos parte de um ecossistema que dita certas regras para nosso comportamento. É hora de incluir estas regras nas promessas eleitorais e nos currículos escolares.
 

John Parsons é ecologista, sediado em Tiradentes, Minas Gerais.

Observação por Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu: John teve um papel central no tombamento da Serra de São José e na recuperação e conservação da cidade de Tiradentes. Homem de imenso conhecimento e erudição, dedica grande parte de seu tempo a conhecer e divulgar, por onde passa e com todos com quem conversa, os princípios que regem Gaia. Tem clara sua missão de ecologista, e a pratica em seu cotidiano, no seu modo de viver, de pensar, de refletir, e de influenciar incessantemente, sem descanso, aqueles que o rodeiam. Um verdadeiro missionário trabalhando a favor do respeito a todo tipo de vida no planeta, sempre fascinado com a natureza e inconformado com a falta de compreensão das pessoas em relação às leis que a definem. O mundo seria muito melhor e mais sustentável se tivéssemos mais pessoas com as qualidades e a persistência de John Parsons.                       

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