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30.11.10 às 22:44

Consumo e aquecimento global: quanto tempo mais vamos demorar a perceber?

Conferência das Mudanças Climáticas, a COP-15, não abordou o poder transformador do consumidor e a mudança nos estilos de vida das sociedades
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O Instituto Akatu esteve presente na 15ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP-15), em Copenhague. O objetivo era analisar como o consumo estaria sendo pautado nas discussões de mudanças climáticas, além de buscar introduzir as questões relacionadas ao consumo nos eventos paralelos.

Naturalmente, dentro da linha trabalhada pelo Akatu, trata-se de introduzir a questão do poder contido nos atos individuais de consumo, que podemos ser e fazer a mudança de comportamentos para contribuir com a sustentabilidade da vida no planeta. Nesse sentido, é uma reflexão sobre o estilo de vida, sobre o espaço ocupado pelo consumo na vida contemporânea.

Estamos convencidos, no Akatu, de que não haverá sustentabilidade sem uma mudança no estilo de vida das sociedades expresso por mudanças nos comportamentos de consumo. Apenas as mudanças tecnológicas não serão suficientes para fazer frente ao tamanho da crise climática atual. No entanto, a questão do consumo praticamente não foi abordada nas reuniões da COP-15.

Naturalmente, não se esperava que o consumo fosse tratado nas salas de negociações, visto que ali as questões eram mais técnicas e específicas, envolvendo NAMAs, REDD, quanto os países do Anexo 1 deveriam ou não pagar aos países em desenvolvimento, metas de emissão para 2020, entre outros temas. Mas, mesmo nos eventos paralelos do Bella Center, local onde aconteceram as negociações, praticamente não se falou de consumo, que foi mencionado apenas em eventos específicos — por exemplo, onde se fazia a ligação entre desmatamento e consumo de carne. No entanto, tanto quanto pudemos perceber na lista dos eventos paralelos à COP-15, e mesmo nos Fóruns externos ao Bella Center, o consumo não foi abordado sob a perspectiva do indivíduo com capacidade de transformação de seu entorno.

Por outro lado, um tema exaustivamente abordado foi o das novas tecnologias mais sustentáveis, envolvendo desde novas formas de produção de energia e novas tecnologias de produção até sistemas para equipar uma casa sustentável.

Sem dúvida, as tecnologias podem contribuir no combate ao aquecimento global. O risco, no entanto, é de uma acomodação no sentido de se pensar que as novas tecnologias mais sustentáveis vão permitir manter o modelo de consumo atual. Ao pensar assim, esquecemos que as mudanças climáticas são um entre vários problemas ambientais que tornam insustentável a sociedade atual, sem falar nos problemas sociais, econômicos e individuais.

Inovações tecnológicas são necessárias, mas não suficientes
Se, por um lado, é muito bom que se desenvolvam tecnologias mais sustentáveis, as mesmas devem ser tomadas como medidas de transição durante o processo de transição para um novo consumo, um consumo diferente, um novo estilo de vida, em que a sociedade como um todo deverá caminhar na direção dos produtos duráveis mais que os descartáveis, para o local mais do que o global, para o uso compartilhado de produtos mais do que o individual, para o virtual mais do que o material, para o intangível mais do que o tangível, para a qualidade mais do que a quantidade, para o necessário substituindo o desperdício, para a moderação substituindo o excesso.

São mudanças profundas que exigem tempo e implicam em uma mudança de cultura, que, por definição, exigirá tempo da sociedade. Para isso, será preciso educar as crianças e os jovens para o consumo consciente e a sustentabilidade, como o Akatu já vem fazendo com o apoio da HP, e será preciso continuar a sensibilização e a mobilização dos adultos para esse novo modelo de consumo. Esse novo modelo deverá ser apreciado e valorizado pela sociedade, sob pena de não se manter a mudança necessária nos comportamentos de consumo.

O mero uso das tecnologias reforça a inércia dos hábitos atuais, à medida que elas permitem agir exatamente da mesma maneira em nosso consumo com menor uso de recursos naturais, energia e água. No entanto, dado que já consumimos hoje 35% a mais do que a Terra consegue renovar, e que 25% da humanidade consome mais do que o necessário, enquanto 75% consome o mínimo necessário ou abaixo desse mínimo, apenas a mudança no modelo de consumo permitirá a inclusão no mercado de consumo das enormes populações que a ele hoje não tem acesso.

Reproduzir os atuais padrões de consumo, usando tecnologias sustentáveis, não permitirá que o grande problema social de inclusão de toda a humanidade em um modo digno de vida possa ser resolvido. Talvez até mesmo se resolva a questão do aquecimento global, o que não parece provável, mas certamente o mundo se deparará com outros limites naturais e sociais. Melhor começar a mudança mais cedo e não mais tarde, conscientizando as pessoas para o poder e o impacto social e ambiental de seus atos de consumo, e buscando fazer com que um novo modelo de consumo seja gradualmente introduzido e valorizado pela sociedade.  Um modelo onde se consome para viver e não se vive para consumir.

Mariana Chammas é assistente da Gerência de Operações do Instituto Akatu. Helio Mattar é diretor-presidente do Instituto Akatu.

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